As ilusões de Norman Angell
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As ilusões de Norman Angell


Renato Brandão Welter¹


     Ralph Norman Angell Lane nasceu em 1872 em Croydon, próximo a Londres. Aos 17 anos emigrou para os Estados Unidos, onde chegou a trabalhar como carteiro, agricultor, vaqueiro e repórter. Aos 26 anos, em 1898, voltou para a Europa onde passou a trabalhar como jornalista. Em 1910, publicou a obra “A Grande Ilusão”, na qual ele põe em cheque uma das mais antigas tradições do homem: a guerra. Na obra, ele criticou as políticas do período, onde as ideias de nacional-militarismo e o equilíbrio do sistema internacional através da corrida armamentista e o equilíbrio de poder² eram predominantes. Dentro deste contexto, criticou diretamente as ideias de pensadores da época, como Frederick Harrison, o qual ele cita em sua obra.
     A ideia principal do seu terceiro capítulo, sobre o qual dissertarei aqui e que leva o mesmo nome do livro, é de que o comércio internacional seria afetado pela guerra entre os Estados do sistema internacional prejudicando todos os envolvidos, inclusive os “conquistadores”. Segundo ele, a ideia de que a conquista territorial trará bem-estar, riqueza e prosperidade à nação conquistadora é uma falácia, uma ilusão de ótica, e que esse pensamento é uma ameaça à civilização. É uma ilusão porque, segundo ele, as despesas que um Estado contrai ao empreender uma política imperialista sobre outro Estado, e, posteriormente, com a manutenção do território excedem os ganhos e supostos “lucros” que obter-se-iam. Ora, para o inglês, é impraticável uma nação destruir ou prejudicar permanentemente o comércio de outra nação, pois estaria prejudicando o seu próprio³. Por razões semelhantes, a imposição de tributos e a cobrança de indenizações altas são inviáveis economicamente, pois, prejudicando uma das partes, prejudicar-se-iam os dois. Assim, um invasor só aceitaria tal prejuízo com
o fim de punir o inimigo com prejuízo semelhante por possíveis questões de ressentimento e revanchismo.
     Angell afirma que é impossível apossar-se do comércio exterior de outro país por meios militares. Não se pode eliminar a competição, mesmo a de um Estado anexado. Pelo contrário, a competição só aumentaria, uma vez que a nação conquistada passaria a fazer parte do regime aduaneiro do conquistador, eliminando barreiras alfandegárias e, deste modo, obtendo vantagens no comércio. 
     Além disso, o autor afirma que a riqueza, o bem-estar e a prosperidade de um Estado não estão atrelados ao seu poder político. Pelo contrário, o comércio de pequenos países como Suíça e Holanda, por exemplo, superam o das grandes nações em termos per capita; já a Grã-Bretanha não se prejudicaria com a perda de suas colônias, pois deixaria de empenhar custos com a defesa dos respectivos territórios. Angell se refere à conquista dessas colônias como “projeto econômico estéril”. Resumindo, o autor afirma e salienta o que já foi dito: a única conduta possível para o conquistador é deixar a riqueza de um território em mãos de seus habitantes e que o aumento da riqueza através da expansão territorial é uma ilusão.
     Com base nessa reflexão, Angell deduz que as políticas de equilíbrio de poder predominantes na época não tinham qualquer fundamento em relação à prosperidade econômica dos Estados visto que países pequenos e desprovidos de forças militares poderosas desfrutavam de economias fortes e equilibradas; e que a força militar aliada com a força política, extensão territorial, etc., pouco influenciam na economia de um Estado. 
     No capítulo seguinte, o jornalista aborda outra ilusão cultivada por muitos pensadores: o das indenizações. Ele critica um balanço no qual a Alemanha teria lucrado 174 milhões de libras esterlinas na guerra contra a França em 1870-1871. Segundo ele, esse balanço teria deixado de levar em conta uma série de fatores com a implementação de um exército adicional que ficou ativo durante quarenta anos, e que, nesse período, já adquiriram toda a indenização da Alemanha adquirida na guerra. E ainda salienta que, dez anos após a guerra, a economia francesa se encontrava em melhor situação do que a alemã. Em consequência desta guerra, toda a Europa se prejudicou, principalmente, a Alemanha e não a França, como se pensava.
     Em outra consideração sobre as indenizações, no que diz respeito às dificuldades práticas em transferir grandes quantias de dinheiro por outros meios senão os mecanismos das operações comerciais, especialmente no contexto do protecionismo, Angell diz: 
     “Na realidade, vistas as coisas à luz da hipótese protecionista, o recebimento de uma indenização tem efeitos desfavoráveis para a ação que a recebe. Se o dinheiro recebido, sob qualquer forma, permanecesse no país, segundo a expressão protecionista, está claro que os preços se elevariam em proporção ao aumento bruto da relação existente entre o dinheiro e os artigos de consumo, e o país se encontraria em posição desfavorável para exportar, isto é, para competir com outros países no comércio internacional. E, se o dinheiro for gasto no exterior, os produtos assim adquiridos vão competir com a produção nacional” [p.70-71].
      Portanto, o montante de dinheiro que o país receber com a indenização causará uma inflação, ou seja, uma elevação dos preços que diminuirá a competitividade dos produtos nacionais no exterior. Foi o que aconteceu com a Alemanha, que teve mais problemas econômicos ao receber a indenização da França.
     Norman Angell propôs uma visão das relações internacionais de uma forma nunca analisada anteriormente. Sua obra é encharcada de premissas liberais e interdependentistas, uma vez que defende a tese de que a guerra é inviável e que todos os elementos nela envolvidos seriam prejudicados, sendo que o comércio cada um depende do outro. Apesar de o texto ser demasiadamente repetitivo, Angell abarca bem suas teorias com fatos concretos da época tomando como exemplo, principalmente, uma comparação entre Alemanha e França nos séculos XIX e XX e ainda expõe trechos de obras de alguns autores e as refuta usando como base, quase sempre, exemplos recentes das economias franco-germânicas. Em suma, para Angell, a guerra promoverá somente problemas militares, sociais e financeiros, tanto para vencedores quanto para perdedores, o que a torna totalmente inviável e inútil. 
     É uma obra de suma importância para a formação intelectual, principalmente para acadêmicos iniciantes, mesmo com a predominância do realismo nas relações internacionais. O que me instigou nesta obra foi o “tapa na cara dos realistas” e a visão polêmica que foi exposta. A predominância liberalista e os pontos levantados por Angell são apresentados de tal modo, que instiga o leitor à pesquisa, ao questionamento da visão realista. Sua importância para a composição intelectual do acadêmico/cientista é irrefutável, e pode, numa visão (muito) liberal, influenciar a formação de diplomatas e direcionar atores internacionais e suas políticas a caminhos diferentes dos atuais e, assim, escrever uma nova história. 


¹ Renato Brandão Welter é acadêmico de Relações Internacionais pela Faculdade Anglo-Americano de Caxias do Sul (FAACS).
² Esse período também ficou conhecido como a “paz armada”, com o surgimento de armas cada vez mais sofisticadas e com a instauração do serviço militar como prática universal.

³ Nota-se, aqui, a denotação de características interdependentistas, corrente de pensamento que ganhou maior força nos anos 1990.



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