Guerra Cambial: Concorrência, liberalismo e política
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Guerra Cambial: Concorrência, liberalismo e política


Guilherme de Melo Silva*



Entende-se por “guerra cambial” a manipulação das taxas de câmbio com vistas a desvalorizar moedas, para assim, favorecer exportações e reduzir importações. Sobre essa situação vale destacar dois países que têm causado instabilidade mundial através da “internacionalização” de suas políticas cambiais domésticas. Desde 1994, a China tem sido rígida no controle cambial – sendo esse um dos fatores condicionantes do crescimento econômico do país e da sua chegada a posição de segunda maior economia do mundo. Por outro lado, com o crescimento das exportações chinesas, e ainda sofrendo graves conseqüências da crise financeira de 2008, os Estados Unidos, desde então, interferem no valor de sua moeda – já no fim do ano passado lançaram um plano de injeção de USD 600 bilhões no mercado –, assim, desvalorizando o dólar e, consequentemente, fazendo com o que seus produtos e serviços tenham um valor menor para o resto do mundo. Essas medidas resultaram em mudanças na política econômica e de câmbio por outros países do cenário internacional, como Japão, Tailândia e Coréia do Sul, e causam prejuízos a mais dezenas de Estados, entre eles o Brasil.
Foram Guido Mantega e Henrique Meirelles – Ministro da Fazenda e presidente do Banco Central do Brasil, respectivamente – que atraíram a atenção do mundo para o tema durante a reunião do G20 em outubro de 2010. A preocupação foi logo corroborada com a declaração do presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI) Strauss-Kahn durante a abertura do encontro anual do FMI e do Banco Mundial: “Muitos estão falando de uma guerra cambial. Eu próprio acho que já usei esse vocábulo, que pode ser um pouco militar demais (...), mas é correto dizer que muitos consideram sua moeda uma arma, e isso certamente não é bom para a economia global”.
O termo “guerra” empregado no nome deste caso econômico é controverso, pois, teoricamente, ela ocorre por conflito político e com sentido específico na disputa pelo poder à força, todavia esse termo ressalta bem o caráter competitivo no comércio internacional, lembrando-nos de outros tensos momentos históricos. Em síntese, a disputa de hoje é por entrada de capitais para, no caso das exportações da China, crescer com base no mercado externo ou, como se aplicaria aos Estados Unidos, para manter o status quo político, reequilibrar o nível da economia e gerar empregos.
Segundo Vera Throrstensen, ex-assessora da delegação brasileira na organização em Genebra, a Organização Mundial do Comércio (OMC) tem competência para lidar com a guerra cambial sem alterar sua formatação original, pois a desvalorização cambial seria uma forma de subsídio relacionado ao desempenho das exportações – o que é proibido. Além disso, o artigo XV do GATT – acordo   que foi incorporado a OMC – já esclarece que “as partes contratantes não deverão, por meio de ação sobre o câmbio, frustrar o propósito dos dispositivos do GATT nem, por ação de comércio, o propósito dos dispositivos dos artigos do Acordo do FMI”. Ou seja, seus membros não poderiam utilizar de suas moedas para interferir na liberalização do comércio global e favorecer o protecionismo.
O FMI, como foi dito, teria o papel, desde a sua criação no pós 2ª Guerra Mundial, de incentivar a livre conversibilidade de moedas e eliminar restrições e práticas anti-competitivas – as quais ocorreram antes de 1939 – que causassem danos ao fluxo comercial, aos investimentos internacionais e evitar crises econômicas. No caso prático da guerra cambial, sua função seria anunciar a desvalorização chinesa, e a reação norte-americana, buscando mecanismos para que os Estados não busquem, em suas soluções domésticas, uma solução unilateral para os reflexos da crise financeira de 2008. No entanto, a reunião ministerial do Fundo em 2010 não trouxe uma resolução ao assunto discutido, e por suas limitações jurisdicionais, não teve capacidade para garantir a imposição de uma reorganização monetária.
Pode-se notar que as relações econômicas internacionais têm suas normas intervenientes, mas as relações políticas ainda são importantes fatos a serem considerados na solução de problemas sistêmicos da economia mundial. A própria institucionalização, com base liberal, do sistema econômico não se mostra clara o suficiente para que se reduza a instabilidade e para que as decisões possam ser tomadas de forma direta, sem antes ocorrer um juízo sobre os ganhos e perdas da solução sobre uma disputa entre gigantes.
Outra ironia do capitalismo global, pelo grande consumo nacional e os baixos preços dos produtos chineses, os norte-americanos são a segunda economia que mais nacionaliza mercadorias “made in China”, atrás somente da União Europeia. Cerca de 15% dos produtos vendidos dentro dos Estados Unidos são chineses, além disso, norte americanos são os maiores parceiros comerciais do país asiático.
A situação se torna ainda mais complexa quando analisamos outros fatores, além do comércio internacional, entre os principais protagonistas citados. Atualmente a China acumula quase USD 900 bilhões em títulos do tesouro – da dívida pública – dos Estados Unidos. E mesmo em tempos de crise, 80% das empresas americanas na China tiveram lucros em sua produção. Dessa maneira, a China financia os Estados Unidos, que montam suas fábricas na China, que também vende aos Estados Unidos. Ou seja, interesses e ganhos são compartilhados em uma relação estreita. Mas por fim, a balança pende desfavoravelmente aos norte-americanos quanto ao desemprego – forte ponto por pressões internas ao governo.
Enquanto isso, vários Estados somente somam prejuízos com a situação. O Brasil apresentou, dia 10 de maio deste ano, com apoio do Mercosul, uma proposta de discussão sobre a guerra cambial no grupo de trabalho de Comércio, Dívida e Finanças da OMC. O Itamaraty declarou que há um vácuo institucional na discussão do assunto, mas acredita que pelas resistências o assunto só estará em pauta em 2012.
Em síntese, temos duas perspectivas para o futuro da guerra cambial: ou haverá uma mudança jurídica nas organizações internacionais citadas por meio da força dos emergentes, defendendo a igualdade de condições de comércio, ou, por negociações fora dos grandes fóruns entre os Estados mais fortes, haverá a manutenção e um ajuste a favor de uma situação mais simétrica de ganhos entre eles. Assim, resta aguardar somente onde será o palco dessa “guerra” e quem serão os perdedores.

* Guilherme de Melo Silva tem formação técnica em Comércio Exterior, é aluno do 5º período de Relações Internacionais e participa do grupo de Iniciação Científica “Comércio internacional e desenvolvimento econômico”, sob a coordenação da Prof. Dra. Cíntia Rubim.





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