A tortura como um dilema imoral
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A tortura como um dilema imoral


Por Luiz Otávio Ribas

O regime militar brasileiro torturou, perseguiu e matou.
 O artigo "Tortura impõe um dilema moral", de Luara Ferracioli, publicado dia 8 de maio no jornal Gazeta do Povo, traz a tona debate difícil e escorregadio. Perguntar-se sobre a possibilidade do uso da tortura já é um erro grave. Quando nos colocamos esta questão é porque o paradigma moral já foi perdido.
A tortura é imoral. Não há justificativa possível para sua imoralidade. Mesmo aqueles que defendem o uso da tortura não negam isto. Apenas, estes propõem que, apesar de imoral, deve ser utilizada.
Aqui está o principal problema, pessoas que acreditam que a imoralidade pode ser útil. Quando trata-se de um norma jurídica fica ainda mais difícil. Afinal, numa perspectiva positivista a moralidade não condiciona a validade das normas. Isto quer dizer que, para um governo imoral, como o norte-americano, não há problema algum em tornar suas posições utilitárias em leis - normas jurídicas.
O que nós críticos da política estado-unidense e de seu direito podemos argumentar?
Mesmo que seja lei, não quer dizer que seja direito. Aqui resgatamos o pensamento de Hannah Arendt, que ao constatar e sofrer na pele os horrores de regimes políticos imorais, como o nazismo, preocupou-se em teorizar sobre os direitos humanos para que pudéssemos compreender o que ocorreu, para que nunca mais possamos repetir esta experiência nefasta.
Me parece que Obama, Bush e sua patota nunca leram Hannah Arendt, tampouco estão preocupados com os direitos humanos, a não ser para veicular como mais um ingrediente de seus discursos vazios e imorais.
O que os estado-unidenses não conseguem entender é que o arbítrio por meio do Estado gera ódio e conflitos graves, como o terrorismo. Este ódio é gerado justamente por seu discurso cínico que defende o uso da tortura, do arbítrio estatal, em detrimento do direito e de um comportamento moral.
Como explicar a alguém de cultura islâmica que nós, ocidentais, não acreditamos na moral, tampouco no direito? Justificamos nossas ações políticas na utilidade destas para perseguir meia dúzia de opositores políticos?
Adotar um comportamento moral não é uma questão de escolha pessoal. Não é suficiente que Obama tenha uma crise de consciência e destrua Guantánamo, proíba a prática de tortura no ordenamento jurídico. A sociedade pode estar plenamente convencida da utilidade da tortura. Aqui está o elemento mais difícil de análise. Se isto for verdade, teremos que lançar mão de reflexões, reformas e propostas muito mais amplas e profundas do que uma mudança de pensamento do principal representante político.
Precisamos aprender com os movimentos sociais a construir uma consciência histórica. Como o movimento de anistia, de memória e verdade na Argentina. Que provocou um dos atos mais representativos em tempos de cultura de massa: os militares que torturaram, mataram, perseguiram opositores políticos foram julgados e presos; mas o que realmente fez a diferença foi a mobilização de rua e o pedido de perdão dos militares em rede nacional e horário nobre.
Depois do estrago feito com um governo e Estado arbitrários, que tortura, é necessário que sejam mudadas mais do que leis, convenções, é preciso ressignificar o sentido histórico do que se fez, admitir como erro, como imoral.
Assim, não sejamos relativistas em matéria de tortura, é sempre imoral. Assim sendo, trata-se de violação de direitos humanos, como o direito a integridade física, a dignidade e a saúde física e psicológica. Ao relativizar este direito o estamos violando, erro injustificãvel e irreversível.

Luiz Otávio Ribas é professor de Direitos Humanos no curso de Relações Internacionais no Unicuritiba.



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