Mundão
Os direitos humanos e sua linguagem
Por Luiz Otávio Ribas
Os direitos humanos são um conceito criado na cultura jurídica ocidental para representar a idéia de que qualquer ser humano tem direito a ter direitos, por ser ser humano.
Com a licença da cacofonia que deixa a frase esteticamente feia, é necessário utilizar a linguagem com o objetivo de traduzir o entorno das relações sociais e sua expressão cultural.
José Joaquin Herrera Flores ensina que os direitos humanos são produtos culturais e devem ser trabalhados num diálogo multicultural, em que exista um compromisso de superar o debate clássico do universalismo versus o relativismo.
Para ilustrar este contexto teórico podemos partir de dois exemplos básicos. O primeiro é justamente o contexto da linguagem utilizada na declaração da Organização das Nações Unidas, o segundo é a utilizada por programas de televisão como do Alborghetti.
Alborghetti em ação, destilando seu veneno que lhe garantia grande audiência e hoje garante lugar na lista dos favoritos do Youtube.
O universalismo é a absolutização de um determinado conceito que é localizado. Parte-se de um conceito localizado para universalizar todo o contexto social, num sentido universal.
Assim, na declaração universal da ONU buscou-se universalizar uma idéia de direitos humanos que era própria da cultura jurídica ocidental. Isto é, o direito a ter direitos, onde o acento está na concepção individualista de sociedade.
Já no programa de Alborghetti a sua concepção de direitos humanos remete também a uma universalização daquilo que é próprio de seus pré-conceitos. Ele quer universalizar seu ódio com determinadas situações do cotidiano que recebem a atenção de ativistas sociais.
O problema da linguagem está presente em ambas as situações de universalismos.
Na declaração o problema está em universalizar algo que é localizado, neste sentido, é preciso avançar muito no diálogo que vem ocorrendo desde a aprovação do texto final em assembléia de 1948. Naquele tempo, tentou-se conciliar concepções do confucionismo chinês, do catolicismo de São Tomás de Aquino, do liberalismo de John Locke e do comunismo de Karl Marx.
Conforme Laura Nader deixou-se de fora muitas outras concepções importantes, como a do islamismo, dos indígenas e das mulheres. A tarefa de escrever um texto que terá status de documento jurídico internacional, ou norma jurídica, sempre estará imbricada com a tarefa de empregar uma linguagem que expresse toda a multiplicidade e complexidade das relações sociais que fundamentam este texto.
Já no caso de Alborghetti, o problema está na universalização por recursos de linguagem, próprios da retórica sofista, que não encontram correspondência com a realidade. Ele está referindo-se a determinados ativistas de direitos humanos e universalizando. Mas, mesmo estes que são alvo de sua crítica devem ser defendidos. Se formos partir para aplicar o "modelo de análise discursiva" deste sábio vamos perceber todo o seu grau de conservadorismo e ódio ao ser humano.
Independente do objetivo da universalização, seja a internacionalização dos direitos humanos, seja a sua extinção para prevalecer os valores da família e da tradição, percebemos os limites do discurso universalista.
O relativismo, por sua vez, é utilizado no discurso dos direitos humanos para flexibilizar determinados julgamentos precipitados sobre diferentes culturas. Assim, o que se houve de maneira reitarada são frases como "não devemos intervir, é cultural".
Assim, o argumento serve para justificar desde mutilações corporais de determinado grupo social até práticas de submissão e trabalho forçado. Tudo salvo pelo argumento de que "é cultural". Agora, este conceito não pode, igualmente, ser universalizado sem uma interface dialogal, margens de fronteira. Sob pena de justificar pelo argumento cultural toda e qualquer violação aos direitos humanos, naquilo que nós construímos ocidentalmente enquanto tal.
O grande desafio hoje é montar uma "dentadura" nova ao discurso dos direitos humanos. Uma vez que Hillary Clinton, Secretária de Estado dos EUA, discursou recentemente que os direitos humanos não mordiam ninguém, ressaltando as dificuldades de efetivação.
Precisamos avançar no diálogo intercultural e colher em diferentes culturas conceitos que fundamentem filosoficamente nosso discurso com um calibre maior, para que ele passe efetivamente a "morder" Estados, pessoas e até mesmo empresas.
Luiz Otávio Ribas é professor de Direitos Humanos no curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Curitiba (Unicuritiba), mestre em filosofia e teoria do Direito pela UFSC e especialista em Direitos Humanos pela UFRGS/ESMPU.
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