Mundão
LÍBIA: REVOLTA DEMOCRÁTICA OU RIVALIDADE ENTRE FACÇÕES?
Por Thais Seidel*
O início de 2011 foi marcado por revoltas no mundo Árabe em questionamento às ditaduras que permaneceram durante décadas na maioria desses países. Os primeiros levantes populares foram na Tunísia e logo após no Egito. O êxito das revoltas fez com que elas se espalhassem para outros países do Oriente Médio e Norte da África. A Líbia foi um dos países atingidos pela onda de revoltas, não obstante, ela apresenta peculiaridades que dificultam o entendimento das mesmas e a diferenciam das ocorridas nos países vizinhos, permitindo inclusive a dúvida acerca do caráter popular da revolta enfrentada de forma violenta por kadafi..
A Líbia é um país com uma organização política formada por uma estrutura tribal. Foi constituída, enquanto país, a partir de três antigas províncias do Império Otomano, a saber, Tripolitânia, Cirenaica e Fezzan. Em 1911, essas regiões foram colonizadas pelos Italianos que lhe deram o nome de Líbia.
Em 1951 é proclamada a independência sob um modelo monárquico, tendo como soberano o rei Ídris, que viveu períodos de dificuldade econômica. O rei Ídris era Emir da Cirenaica, cuja capital é Benghazi.
Com a descoberta do petróleo em 1958, aumentaram as expectativas econômicas para o país. Em 1969, com a queda do Rei Iris e a ascensão do movimento militar liderado por Muammar Kadafi, a Líbia vive um período de populismo redistributivo ou propriamente uma variante de socialismo, porém sob uma ditadura autoritária personificada na figura de seu dirigente, Kadafi. Internamente o regime impunha e agora mais do que antes, forte repressão aos opositores, que eram representados por tribos insatisfeitas ou adeptos da antiga monarquia, uma vez que não existem partidos políticos neste país, conforme assevera o jornalista Renato Pompeu**. Assumindo um viés nacionalista fundamentado pelo movimento panarabista, as políticas internacionais adotadas por Kadafi contrariavam o imperialismo inglês e norte-americano presente na região, opondo-se, dessa maneira, as influências Britânicas apoiadas pela antiga monarquia.
Com regiões organizadas em estruturas políticas e econômicas tribais, segundo Pompeu, “sua população nunca constituiu uma nação e até hoje é dividida em 140 tribos”. Nela, não se tem conhecimento de uma oposição política organizada e estruturada nacionalmente. O centro do movimento oposicionista iniciado em 2011 é Benghazi, capital da Cirenaica, onde se localiza a base política da monarquia deposta do rei Ídris. Portanto, acima das oposições internas ao regime de Kadafi, as revoltas provêm de rivalidades tribais. O Egito e a Tunísia, no entanto, possuem um movimento de oposição ao regime político, estruturado e de longa data. No Egito, as forças de oposição ao regime do presidente Mubarak são lideradas pela Irmandade Muçulmana, grupo fundamentalista islâmico, ligado ao Hamas palestino e posto na clandestinidade pelo presidente Mubarak, por pressões do Ocidente. A Tunísia, historicamente, possui partidos políticos ligados aos trabalhadores e defensores dos direitos humanos. Esses partidos foram reprimidos durante o regime instaurado pelo presidente, agora deposto, Ben Ali, porém, continuaram atuando politicamente e foram fundamentais para as revoltas iniciadas em 2010.
Na medida em que as revoltas contra ditaduras nos países Árabes rapidamente adquirem poder, por usufruírem de uma oposição mais estruturada, na Líbia a revolta se expandiu por várias tribos, contudo, as manifestações logo se desintegraram, através da ação armada do Estado sob comando de Muammar Kadafi e praticamente se limitaram, em sua maioria, ao grupo de oposição em Benghazi.
Observa-se, assim, que a situação líbia é uma exceção à regra, no que diz respeito aos últimos acontecimentos nos países Árabes. A forma de organização da política Líbia seus problemas internos são consideravelmente complexos para que possam ser solucionados por decisões de países ocidentais.
Ao contrário da imagem transmitida para o mundo, de uma revolta semelhante a ocorrida no Egito e na Tunísia, na Líbia não se pode afirmar que seja um levante propriamente popular, pois, a revolta se resume a uma facção rival ao atual governo. A grande diferença cultural pode dificultar o entendimento sobre os problemas internos na Líbia, por parte dos países ocidentais, uma vez que, ignora-se a necessidade de identificar se o conflito provém da ação de uma facção rival ambicionando o poder ou se deriva de um real questionamento ao governo ditatorial.
*Thais Seidel é acadêmica de Relações Internacionais e participante do grupo de Iniciação Científica - A geopolítica dos Estados: os novos atores internacionais, sob a coordenação do Prof. Marlus Forigo
** http://www.redebrasilatual.com.br
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