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O período colonial na América espanhola foi marcado pelo triunfalismo dos localismos com a privatização do poder e a regressão,dir-se-ia,retrocesso das idéias liberais européias.

O que se busca analisar neste texto de história escrito pelo professor Oliveiros Ferreira é o papel que desempenharam o índio,o crioulo e os espanhóis durante o período de ouro da dominação espanhola.

As primeiras tentativas de enquadrar o homem americano no pensamento europeu produziram o que se convencionou chamar de Legenda da Inferioridade Cultural.A finalidade deste raciocínio é criar um princípio de legitimação que proporcione moralmente subsídios para a dominação.Neste sentido os primeiros ensaios na direção da desqualificação foram dados pelo naturalista francês Georges Buffon(1707 -1788)que descreveu em seus volumes a diversidade e a inferioridade dos que habitam a América meridional.

O diagnóstico de Buffon era o de que a fauna da América ,em termos de tamanho corporal,caracterizava-se bem menor do que a da Europa e,por conseguinte,o levava a conclusão de que a natureza americana é hostil ao desenvolvimento de espécies animais. Da mesma forma então o que se aplica aos animais se aplica aos homens.Em um terreno no qual a natureza havia hostilmente produzido seres inferiorizados,o homem como produto desta natureza,seria por sua vez um franzino impotente.

A explicação residia ainda no caráter amorosamente frio do homem e a natureza pantanosa.Segundo este argumento,a pantanosidade geraria somente seres débeis,úmidos,languinhento.De modo que,estas terras só principiarão a produzir fecundidade após serem trabalhadas pelo homem civilizado.

Voltaire,já mais austero e sagaz diria que os pântanos tornam o ar malsão e estas terras eram marcadas pela produção de uma quantidade prodigiosa de venenos(?).

Contudo,foi somente com o abade Cornélio de Pauw que a ilustração denegreceu completamente.O embrutecimento na América é,para De Pauw,fruto do isolamento e ausência da sociedade. Coloquemos o maior filósofo de todos os tempos em uma ilha durante 10 anos e após esse período constataremos que teremos fabricado um bárbaro.
A tese de Pauw é a de que o homem americano “odeia as leis e os freios da educação” não se trata de imaturidade,mas antes,de degeneração em virtude do clima inóspito.No tocante as características da flora De Pauw analisa "Aqui,os cães deixam de ladrar,e os órgãos genitais dos camelos deixam de funcionar.Assim é o peruano pois são impúberes o que é uma prova de sua degenerescência."São algumas das pérolas de Cornélio Pauw.

É importante frisar que havia dois tipos de interpretação sobre a América.A primeira postulava a visão otimista do homem americano dentro da visão Rousseauniana do “bon sauvage”;a segunda, postulava idéias da legenda da inferioridade natural supracitadas.

Os espanhóis irão retirar seus argumentos e pretextos para implantar a administração colonial e o controle da segunda interpretação.E o conceito é aplicado sem distinção à toda América, sem poupar quaisquer classes sociais,índios,crioulos,castas ou estrangeiros.

A legenda de inferioridade natural, no entanto,serviu de calcificador da multi-etnicidade característica da Espanha.Em um país,em que dentro de um mesmo território, se têm catalões,galegos,andaluzes,asturianos e os até hoje atuantes bascos, a idéia de legenda de inferioridade natural encontra ressonância,pois,cria a noção de unidade nos espanhóis.É como se fosse um ponto comum que unifica incomuns.

A transposição desta “forma de ser espanhol” não atravessou o atlântico de forma unificada.Aliás,foi aqui que a legenda encontrou dissonância e a tomada de consciência dos efeitos da legenda no processo administrativo da colônia produziu as primeiras formas de combate a esse Ethos forjado.

A reação se deu aos poucos e para isso foi de notável importância as universidades espanholas.Entretanto,com o fim de se legitimarem aos olhos espanhóis e com isso adquirir o status que garantiria o acesso à administração colonial,os crioulos,não trouxeram os índios consigo nesta luta,pelo contrário,sua posição era a de se diferenciar dos mesmos.Assim,houve a utilização de um direito natural parcial ou relativo,já que só servia a um desígnio:tornar o crioulo branco aos olhos espanhóis e não tornar todos(crioulos, índios e mestiços)iguais aos olhos do mundo como era de se esperar.


O crioulo se encontra em uma posição intermediária entre a sociedade espanhola e a americana.Nesta condição,participa tanto como classe dominante quanto classe dominada.Uma vez que,busca fazer parte do ethos espanhol se sustentando de sua posição de classe privilegiada na América.Ligado à Espanha por uma igualdade que se quer de fato e preso ao não reconhecimento do índio pela Espanha.Em síntese, o crioulo quer fazer parte de uma ideologia que não o quer e,ao mesmo tempo,rejeita identificar-se à sociedade sobre a qual tem o controle.

São necessários três fatores para a revolução e a busca da independência-a universalização do direito natural,a hostilidade ao rei e o sentimento de ganhos ao se desligar do quadro jurídico-político espanhol.

As condições para a revolução foram encontradas em 1810 no México.Após essa data os movimentos ganham caráter conservador pois,conservaram as bases socioeconômicas de sustentação da elite crioula pelo fato de terem sido controladas pelas juntas.Acresce-se a isso que pelo menos uma pé da tríade fora duramente impactado pela invisível mão do mercado inglês esse fator por si,contribui em muito,para pôr do sol espanhol.

“Mueran los Guachupines” era o grito de guerra daqueles que,outrora,queriam ser espanhóis.A motivação era apaixonada,a revolução se banha de emoção e romantismo.A América se solta dos grilhões jurídicos,econômicos e políticos que durante séculos a aprisionaram.Não raro, em qualquer revolução eis que os oportunistas aparecem.Com efeito,a revolução era conduzida por dois tipos de lideranças:as que buscavam mudanças profundas e as que buscavam melhores fruição para seus interesses socioeconômicos.Triunfam sempre os últimos.Assim sendo os índios continuaram à margem do jogo político.Houve,portanto,uma incapacidade,por parte das elites crioulas,de criar mecanismos que pudessem coadunar o ideal liberal e as relações sociais na colônia.

Tem-se na história colonial da América espanhola somente a materialização do liberalismo econômico,enquanto sua acepção política fica aquém do desejável.

Para o bem ou para o mal a América agora,solta no mundo,tenta em tudo distanciar-se do modelo monárquico que a aprisionava e discriminava.Para tanto se volta para o Norte onde um país inventa a mais nova forma de sistema político: O federalismo norte americano.

E lá encontra uma segunda versão da legenda de inferioridade natural,uma (american way of discrimination)com a ressalva de que agora não se trata mais de inferioridade pelo critério do jus solis,mas por se tratar de incivil desorganização caudilhista politicamente dispersiva.Se antes,tínhamos uma América ciosa de autonomia frente a metrópole tanto política quanto economicamente;agora temos uma América ciosa de legitimação de sua soberania frente à nações hegemônicas no sistema internacional.

Por fim,fica uma pergunta qual um osso entalado no pescoço:E agora América?
Qual será o dia em que declararemos o fim da aceitação da legenda da inferioridade natural?


Fernando Moreira dos Santos
Alto,alto,alto



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