América Latina: integrar ou entregar?
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América Latina: integrar ou entregar?





Por Camila Hoshino e Larissa Mehl*

Soy... soy lo que dejaron
Soy toda la sobra de lo que se robaron
Un pueblo escondido en la cima
Mi piel es de cuero, por eso aguanta cualquier clima
Soy una fábrica de humo
Mano de obra campesina para tu consumo
frente de frío en el medio del verano […]
Soy lo que me enseñó mi padre
El que no quiere a su patría, no quiere a su madre
Soy américa Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina 

  Simon Bolívar, José Martí, Bernardo O’higgins, José de San Martín, Ernesto Che Guevara e Augusto C. Sandino: o sonho da integração latino-americana é acompanhado por uma genealogia extensa. Mas esta seria a integração de quem exatamente? Dos colonizados pelos espanhóis e portugueses? Dos povos da América do Sul? Ou seria dos povos da América Central? O México estaria incluído nessa “Pátria Grande”? E os imigrantes puros, também? Todos estes questionamentos para sanar uma única dúvida: existe mesmo um “povo latino”?

  A verdade é que mais teríamos motivos para acreditar na ficção de tal termo do que em sua existência de fato. Isto, graças ao tipo de colonização que tivemos e a mentalidade que construímos, ou melhor, que nos foi imposta. Mas, se por um lado, parecemos um bando de identidades dispersas em um território heterogêneo e nossas diferenças nos afastam cada vez mais a ponto de não podermos nos denominar um “povo”, por outro, razões ocultadas na nossa história dependente nos mostram o contrário. Portanto, o que esses chamados libertadores da América, citados no começo do artigo, reivindicavam é algo exposto para as pessoas que estão abertas a enxergar a riqueza e as similaridades existentes entre as diversas comunidades étnicas latinoamericanas, desde as que sobreviveram e trouxeram seus descendentes até as que foram covardemente exterminadas.

A América Latina surge principalmente a partir do sangue mestiço. Para explicar esta afirmação, podemos começar com a população nativa, uma vez que havia muitas tribos diferentes desde a gélida ilha da Terra do Fogo até as Pirâmides Astecas do México. Todas elas com traços indígenas típicos de sua região. Algumas etnias e suas respectivas religiões são bem conhecidas como, por exemplo, os Incas e o culto ao Deus Sol. Já outras, como os Selknam, da Terra do fogo, tiveram sua cultura inteiramente destruída. A chegada dos ibéricos- portugueses e espanhóis- trouxe consigo um grande fator de diferenciação para os habitantes do Novo Mundo. Mesmo com idiomas diferentes e disputas de terras entre eles, a colonização por parte destes europeus surgiu de maneira violenta, exploratória e pré-moldada. Fomos misturados com esta gente, criando uma nova raça. Fomos obrigados a esquecer nossos moldes culturais e criados para trabalhar sem receber muito ou até mesmo nada em troca, já que também éramos fonte de trabalho forçado. Mas éramos, sobretudo, diferentes. Tanto, que as próprias doenças trazidas pelos estrangeiros acabaram dizimando a população indígena da região, o que resultou em falta de mão de obra necessária para garantir os interesses dos colonizadores.

O contrabando de escravos trazidos da África havia se tornado um negócio muito lucrativo, portanto, logo os africanos chegaram ao continente para cobrir esse déficit de mão-de-obra.  Este povo foi oprimido mesmo antes de sair de sua terra. Aqui, se tornaram força de trabalho ainda mais explorado. Na América do Sul, principalmente na Colômbia e no Brasil, o contingente de mulheres negras que vieram para a região foi muito menor se comparado ao de homens. Sabe-se que foram muitos os casos de senhores – muitos deles já com traços mestiços - que tiveram relações sexuais, forçadas ou não, com suas escravas, dando origem a uma população mulata. E o fato de os negros também serem obrigados a falar o idioma de seus senhores ou patrões foi importante para o estabelecimento do português e do espanhol como idiomas predominantes.

Por último, temos mais uma massa de imigrantes: os novos europeus. Pobres e infelizes nos seus países de origem, esses brancos vieram para cá com a esperança de trabalhar com a terra e enriquecer. Acabaram sendo essenciais para dois fatores: a modernização da América Latina e a branquização de nossos mestiços. Ambos impulsionadores da desigualdade em vários âmbitos que se faz presente até os dias de hoje. O Etnocentrismo – que insiste em apagar a nossa história ao trazer a perspectiva dos “vencedores”- fez com que muito crioulo se orgulhasse de suas matrizes européias, tentando estabelecer uma superioridade perante o resto do povo negro e índio explorado. Esse ainda parece ser um ideal dominante que segue nos dividindo e criando, em muitos ignorantes, uma sensação de superioridade que assolam os continentes de racismo. Posteriormente, a vinda dos árabes e asiáticos também contribuiu para o enriquecimento da nossa mestiçagem.

  Tanto os colonizados pelos espanhóis como os colonizados pelos portugueses tiveram o mesmo tipo de colonização exploratória. Dessa forma, nos tornamos, etnicamente, diferentes dos americanos do norte, que transladaram suas populações e não se misturaram significantemente com outras raças. Sempre fomos dependentes dos povos que nos colonizaram, mas ao mesmo tempo, alheios. Somos neolatinos.  São essas duas características principalmente – mestiçagem e exploração- que são responsáveis por agrupar países como Brasil e México, Cuba e Chile, por exemplo, dentro do que entendemos por América Latina.

  Sempre vivemos para as vontades e interesses externos. Depois da colonização, nos curvamos às multinacionais e aos norte-americanos, simplesmente porque nossa mentalidade nos levou a isso. Muitos podem usar este argumento para desclassificar a credibilidade e a possível integração de nosso povo. Mas podemos ver de outra maneira, como o antropólogo Darcy Ribeiro em seu artigo “Consciência Alienada”. Ele diz: (...) eu prefiro nossa pobreza inaugural à sua opulência terminal, de quem já acabou de fazer o que tinha a fazer no mundo e agora, usufrui do criado. Nós temos um mundo a refazer.

Atualmente, o maior desafio de nosso povo é alcançar a própria emancipação, é construir uma América latina forte e, acima de tudo, independente. Temos que exorcizar nossos fantasmas exploradores e criar nossa nova auto-estima, de um povo não superior aos outros, porém mais humano, justamente por trazermos no sangue a herança de quase todas as raças possíveis (asiática, africana, européia e indígena). Trazemos na nossa história a marca da mais nobre resistência, da mais singela força – que inclusive nos caracterizou como um povo que não desiste nunca - e das mais diversas culturas deixadas por nossos ancestrais. Isso faz com que a América Latina integrada seja um sonho ainda vivo. No entanto, essa integração não deve estar voltada essencialmente à eliminação das barreiras do livre comércio, tampouco ao capital especulativo. Esse modelo de integração deve se firmar por meio das raízes da soberania popular, visando primordialmente a eliminação das barreiras sociais existentes.

  A definição trazida pelo escritor e jornalista uruguaio, Eduardo Galeano (1976), no livro “As veias abertas da América Latina”, é bem crítica em relação a essa integração: “’Nossa’ união faz a ‘sua’ força, na medida em que os países, ao não romperem previamente com os moldes do subdesenvolvimento e da dependência, integram suas respectivas servidões.” (grifos do autor)

  Ou seja, priorizando apenas o incremento do comércio por meio da troca de benefícios entre os países da região, só estaremos reproduzindo as mesmas relações de desigualdade que têm nos acompanhado por séculos. Não estamos integrando, mas entregando. A libertação econômica, social e cultural, junto com o reconhecimento das raízes identitárias locais, é que pode alavancar o velho sonho de união. Mas para isso, para que possamos escrever nossa própria história, também precisamos valorizar nossa mestiçagem e ter orgulho do que somos para destruir de uma vez por todas essa imagem de inferioridade e dependência.

Referências Bibliográficas:
1- GALEANO, Eduardo. As veias Abertas da América Latina.Tradução de Galeano de Freitas.Edição nº 45.(2005) Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976
2- RIBEIRO,Darcy. A América Latina existe?.1ª Edição. Brasília: Editora Unb, 2010
3 - PÉREZ, Rene; MARTÍNEZ, Eduardo. América Latina. Puerto Rico: Sony Latina, 2010

*Camila Hoshino e Larissa Mehl são estudantes do quarto período do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba.



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