Mundão
Século XXI: A era das ciberguerras mundiais
Por Michelle Avanci
No dia 4 de outubro de 2006, o site Wikileaks foi fundado na Suécia tendo como seu principal editor e porta voz o australiano Julian Assange. É um site sem fins lucrativos com o objetivo de publicar informações confidenciais vazadas de governos ou empresas. O Wikileaks recebe de seus leitores muitas das informações publicadas. Suas despesas com funcionários, servidores, burocracia e advogados são pagas a partir de doações, principalmente de organizações de mídia.
Algumas publicações chamaram a atenção de grandes potências, principalmente dos Estados Unidos. Em 2010, informações confidenciais sobre a guerra dos EUA contra o Afeganistão e o Iraque, foram divulgadas pelo site. Um vídeo e alguns relatórios mostram como britânicos e norte-americanos ignoraram completamente os direitos humanos nestes países, torturando soldados e matando civis iraquianos e afegãos.[1] Outro grande impacto para o governo dos Estados Unidos foi quando tornaram-se públicos documentos, nos quais Hillary Clinton diz aos diplomatas norte-americanos que conseguissem informações sobre líderes políticos da ONU, principalmente do secretário geral Ban Ki-moon.[2]
A maior discussão que se tem sobre as divulgações do Wikileaks é se elas são positivas ou negativas para a sociedade internacional e seus atores. A Declaração Universal dos Direitos Humanos traz em seu artigo XIX o seguinte texto: Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.[3]Deste ponto de vista, Assange tem o direito de publicar em seu site informações confidenciais de outros países.
O ex-presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva e o Primeiro-Ministro da Federação Russa, Vladmir Putin, declararam apoiar o site Wikileaks no que diz respeito à divulgação de documentos de vários países, considerados secretos. [4] Afinal, ele dá transparência e divulga casos que mostram o desrespeito, por parte de alguns Estados, aos Direitos Humanos. Em contrapartida, os governos atingidos pelas publicações alegam que a divulgação de documentos confidenciais pode gerar complicações entre Estados e até criar conflitos entre países, os quais comprometem a seguridade internacional e a segurança dos seres humanos.
Ou seja, existem dois pontos a serem discutidos, em que cada um escolhe o lado que irá defender a partir de seus interesses próprios. Lula, por exemplo, apóia Assange por se dizer a favor da liberdade de expressão. No fim de seu mandato, contudo, ele quis censurar a imprensa nacional. Quais são, então, seus verdadeiros interesses em apoiar o australiano? E Putin? Ele questiona a prisão de Assange perguntando se esta ação não infringe ideais democráticos. Quais seriam, porém, seus reais motivos para fazer este questionamento?
Já os Estados Unidos não concordaram com a publicação de seus documentos e relatórios, apoiando, é claro, a idéia de que a Wikileaks está contribuindo para a formação de conflitos internacionais. Eles aplicam sua realpolitik inclusive em casos extremos, os quais nem sempre são bem vistos pela sociedade internacional. Por este motivo não revelam tudo o que fazem, pois se o fizessem as relações diplomáticas entre os países se complicariam e guerras poderiam surgir. Defendem que suas ações são um mal necessário para manter a paz e a segurança internacional.
Em 2010, um mês após a divulgação destes importantes documentos sobre as guerras dos Estados Unidos, Julian Assange foi acusado de estupro e agressão sexual por duas suecas. A Suécia expediu dois mandatos de prisão contra ele, mas por causa da pressão da mídia defendendo que a acusação se tratava de uma conspiração, o mandato foi retirado. No fim de 2010, contudo, por pressão, desta vez dos Estados Unidos, a Suécia reabriu o caso, com um pedido de extradição de Assange encaminhado à Inglaterra. Ele se entregou alguns dias depois à polícia de Londres alegando não ter cometido nenhum crime sexual. Houve uma audiência em um tribunal de Londres, na qual ele ganhou direito à liberdade condicional, depois do pagamento da fiança de 200 mil libras (problema resolvido por simpatizantes da causa). Em maio de 2012, a Inglaterra concordou com a extradição de Assange para a Suécia, mas logo em seguida ele refugia-se na embaixada do Equador buscando asilo político.
O presidente do Equador, Rafael Correa, após um longo período de espera decidiu, finalmente, conceder asilo ao australiano. Sua decisão foi tomada, não só por defender a causa de Assange, mas também, com a intenção de provocar os Estados Unidos. Os dois países possuíam boas relações até que, no início de 2011, um embaixador americano foi expulso do território equatoriano por comentários que não agradaram o presidente Rafael Correa. Em resposta, o governo norte-americano declarou o embaixador equatoriano em Washington como persona non grata. [5]
A questão agora é que a viagem de Assange da embaixada até o Equador não está garantida. A Inglaterra ameaçou invadir o prédio para prender o acusado e extraditá-lo para a Suécia, baseando-se na Diplomatic and Consular Premises Act (Lei das Instalações Diplomáticas e Consulares) de 1987, que daria direito ao país inglês de entrar na embaixada, neste caso. Alguns dias depois, a OEA (Organização dos Estados Americanos) reuniu-se para discutir, não sobre o asilo dado pelo Equador, mas sim sobre a questão da invasão inglesa a embaixada equatoriana. Pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, da qual a Inglaterra é signatária, entretanto, só é possível entrar em uma embaixada com a permissão do embaixador.[6] Uma resolução aprovada pela OEA manifestou apoio e solidariedade ao Equador. A organização não concordou com a possibilidade de invasão da embaixada, fazendo com que o Governo inglês esclarecesse que não usaria esta possiblidade.
Julian Assange se encontra na embaixada há quatro meses sem que seu caso seja solucionado. O problema, porém é muito maior do que as acusações de crimes sexuais. Julian Assange mexeu com potências que possuem grande poder e influência na esfera internacional. O caso poderia ser classificado com uma ciberguerra mundial, e uma vez que esta guerra virtual começou, é impossível fazê-la parar. Por mais que consigam acabar com Julian Assange e a Wikileaks, outros grupos estarão dispostos a recriar este trabalho. Os governos não estão mais seguros, as pessoas que tiveram contato com os documentos considerados secretos vão querer procurar mais, pois certamente há mais a ser descoberto e divulgado aos outros cidadãos do mundo.
Michelle Avanci é estudante do curso de Relações Internacionais do Unicuritiba. [1]Disponível em http://www.guardian.co.uk/world/2010/oct/22/iraq-war-logs-military-leaksacessado em 30/09/2012
[2]Disponível em http://www.guardian.co.uk/world/2010/dec/02/julian-assange-wikileaks-china-russia?INTCMP=SRCHacessado em 30/09/2012
[3]Disponível em http://www.un.org/es/documents/udhr/acessado em 01/10/2012
[4]Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10718acessado em 01/10/2012.
[5]Disponível em http://www.nytimes.com/2012/08/20/opinion/why-correa-lets-assange-stay-in-ecuador-embassy.htmlacessado em 01/10/2012
[6]Disponível em http://academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/images/d/dc/Conven%C3%A7%C3%A3o_de_Viena_sobre_Rela%C3%A7%C3%B5es_Consulares.pdfacessado em 10/10/2012.
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