Religião X Ciência: equilíbrio ao poder do Estado pela moral da Igreja
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Religião X Ciência: equilíbrio ao poder do Estado pela moral da Igreja



Marina Formighieri Sperafico

Religião e ciência nunca foram exemplos de grandes cooperadores na história mundial. Pelo contrário: no Brasil, já houve caso de um Procurador do Tribunal Eclesiástico publicar carta aberta ao Presidente da República ameaçando-o de excomunhão caso fosse sancionado projeto aprovando as pesquisas com células-tronco embrionárias. E tal radicalismo não é recente. Cientistas como Galileu Galilei enfrentaram resistências incomensuravelmente mais fortes contra seus certeiros descobrimentos na Idade Média, época em que a Igreja era a principal instituição vigente e gozava de poderes exorbitantes, tanto em sua própria esfera, quanto nas áreas econômica, cultural e principalmente política.

Todavia, largos foram os passos dados pela ciência de lá para cá e a igreja muitas vezes os acompanhou de forma silenciosa e defensiva. João Paulo II, alguns anos após o Concílio Vaticano II – que marcou o início do aggiornamento da igreja Católica – publicou trabalhos relacionados a atitudes e práticas modernas, entre os quais se destacaram as encíclicas Evangelium Vitae e Fides et Ratio. Métodos contraceptivos, utilização de embriões supranumerários, pena de morte e outros temas polêmicos foram condenados com considerável incisão, principalmente na primeira publicação. A segunda obra, por outro lado, trouxe um teor notoriamente mais sutil, numa flexibilidade inédita para uma entidade cujo líder sustenta o título de infalível.

Apesar do evidente amadurecimento pontifício – verificado especialmente pela forma mais suave como aborda assuntos como o niilismo e as posturas contemporâneas mais radicais, que enfrentam a igreja frontalmente –, o papa não deixa de condenar o uso da razão para fins essencialmente utilitaristas, de prazer ou de poder. Neste contexto, as pesquisas com células-tronco embrionárias são frequentes faíscas a calorosas discussões. Seu caráter passível de análise ética traz à tona numerosas teses sobre o início da vida, do indivíduo em ato e a concepção.

Análises sobre o impacto das condenações vaticanas sobre a discussão de aprovação de pesquisas com células-mãe nas relações internacionais mostram que, em países cuja população é majoritariamente católica, o governo sofre maior resistência para ir em frente com legislações favoráveis a estes estudos. Percebe-se, da mesma forma, que não existe um parecer único sobre a utilização destas células para fins de pesquisa científica. Mesmo nos países onde os estudos são mais desenvolvidos existem receios e restrições no regimento interno. Todavia, vemos também que são grandes as chances de o Estado optar por agir da forma que melhor lhe posicione internamente e no sistema internacional.

Segundo Edward Carr, esse posicionamento é explicado pela teoria realista. O Estado irá agir conforme seus próprios interesses e não pautado em ideais morais que grupos ou igrejas tendem a defender. É o caso do Brasil, que aprovou as pesquisas mesmo sob as condenações católicas. Isso implica num afastamento da Igreja Católica aos seus próprios fiéis e aos outros Estados. Os liberais, por sua vez, são mais inclinados a pensar nos Estados rumo à globalização; tendem a considerar que, à medida que o mundo se torna mais interdependente, a cooperação irá substituindo a competição, o que, de acordo com alguns autores, é uma ideia precipitada.[1]

De qualquer forma, o Vaticano não abre espaço para a discussão da maior parte de seus conceitos, estabelecidos há mais de séculos, e evita prolongar seus pronunciamentos a vertentes que possam lhe enfrentar. A boa notícia é que a Igreja não tem mais o peso institucional que outrora possuía; hoje sua presença nas relações internacionais está mais para um farol que uma fogueira. É natural que ela, felizmente, não consiga tornar sólida sua ideologia, estagnando o processo evolutivo pelo qual a ciência não cansa de atravessar. Mas, a partir do momento em que nos deparamos com algo novo, mesmo que envolvente, faz-se mister analisar cautelosamente as consequências a que ele sujeita o ser humano, dando lugar ao debate e estimulando, tanto a transparência nos projetos científicos, quanto a busca por métodos mais evoluídos que substituam os que sofrem de condenação moral.


Internacionalista formada pelo UNICURITIBA. Atualmente é Analista Comercial Sênior na Câmara Americana de Comércio e cursa MBA em Gestão Estratégica de Empresas na Fundação Getúlio Vargas. A coluna Cultura e RI vai ao ar às quartas-feiras.







[1] NYE, Joseph. Compreender os Conflitos Internacionais: uma introdução à teoria e à história. 3ª ed. Lisboa: Gradiva, 2002. p. 227.



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