Mídia, opinião pública e Relações Internacionais: o caso chinês
Mundão

Mídia, opinião pública e Relações Internacionais: o caso chinês


                                                                                                              Camilla Hoshino*


A censura por parte do governo chinês em relação à circulação de informação tem despertado debates sobre a manipulação da mídia, atitude presente há séculos nos meios de comunicação e que parece se intensificar na vigência de governos opressores. No entanto, a intenção aqui não é acirrar ainda mais essa discussão, mas ressaltar o papel da mídia como formador de opinião pública, podendo assim influenciar nas relações internacionais. É certo que a liberdade de expressão é um direito fundamental de todo indivíduo, mas também é certo que a China, mesmo sendo uma ditadura ferrenha e considerado um dos países que mais atentam contra os direitos humanos, se tornou uma das maiores economias mundiais, além de ter uma cadeira permanente no tão almejado Conselho de Segurança da ONU.


Afinal, informação sempre foi sinônimo de poder. Basta lembrarmos qual instituição garantiu a unidade cultural da Europa e foi a grande responsável pela conservação e transmissão de conhecimento durante a idade média, ou seja, a Igreja.  

Com o surgimento das cidades e a criação da Imprensa de Gutenberg no século XVI, essa mesma informação se torna imprescindível para o desenvolvimento do comércio. Há até quem acredite que a atividade jornalística em sua forma mais simples já tenha nascido com uma função internacional, uma vez que o fluxo de informações era o único capaz de unificar um território sem fronteiras, criado pelas grandes navegações e, conseqüentemente, pelas transições de capital que ocorriam além dos limites estabelecidos pelas nações. O objetivo até então era alcançar o maior número de pessoas e não aprofundar muito a informação, pois o interesse era meramente comercial. Acontece que, de meio século para cá, pouca coisa mudou nesse sentido e um dos maiores desafios da mídia contemporânea tem sido a incapacidade de conciliar seu papel de protetor das liberdades individuais, vigia e defensor da democracia com sua posição empresarial, tanto privada quanto estatal. Mesmo a internet, que vem se consolidando como um dos principais e mais rápidos veículos de notícias, se vê muitas vezes controlada por grandes empresas que sofrem pressões estatais e, se não declaram autocensura, acabam sendo censuradas pelo governo do país em que estão inseridas, como foi o caso do Google na China.

Por que nos veículos de comunicação chineses, principalmente na internet não pode simplesmente haver debates entre a população civil relacionados à independência do Tibete, ao movimento Falum Gong ou aos protestos da Praça da Paz Celestial de 1989? O governo chinês alega que tais conteúdos poderiam destruir a unidade nacional, incitar ódio ou até distribuir conteúdos violentos, mas o fato é que, sem ter que se sustentar por uma base democrática, que atenda as reivindicações e que ouça a voz da população, a tomada de decisão por parte do governo chinês se torna muito mais rápida, assim como os resultados também aparecem mais rapidamente. Regimes autoritários muitas vezes têm se mostrado competentes no que diz respeito à promoção do crescimento econômico ao longo da história, como foi o caso do nazismo na Alemanha, que apesar de ter se traduzido como um regime desumano reergueu o país economicamente ou como no caso do período denominado milagre econômico ocorrido durante o governo militar brasileiro.

Percebendo esses efeitos, o país oriental tenta ampliar sua influência não apenas controlando a própria população, mas estendendo também suas influências para além do território nacional. A fim de aumentar o chamado “soft Power”, ou a capacidade do Estado de influenciar comportamentos e interesses de outros, a China vem, estrategicamente, investindo em acordos de cooperação e difusão de informação- aí, dando destaque ao rádio, um importante meio de conscientização popular- principalmente no continente africano. Por meio da CNC world, o país pretende difundir uma visão chinesa dos acontecimentos internacionais, contando com uma linha editorial apoiada em orientações diplomáticas governamentais.
Dessa maneira, tendo veículos de informação oficiais orientados pelo governo, a China tende a criar um consenso dentro da opinião pública internacional com a intenção de legitimar as ações, discursos e estratégias chinesas de atuação em nível global. Além disso, como a China pretende investir nesse canal de comunicação em todos os continentes, com o auxílio da publicação de jornais em diversas línguas, entre elas francesa, japonesa, portuguesa, russa e árabe, pode haver uma pressão internacional pela resolução de assuntos de interesse do governo chinês, que estarão em pauta nas agendas midiáticas do mundo inteiro. Pode ser exagero, mas a intenção, no entanto, não é julgar a posição da China em relação à censura ou à ampliação de um jornalismo sem liberdades editoriais – sabemos que o ocidente também tem seus meios de censura- mas utilizar-se no exemplo chinês, para estudar e dar ênfase a uma análise da mídia e seu poder como ator dentro das relações internacionais.

Fontes:
Le Monde Diplomatique Brasil. Ano 4, número 44. São Paulo : Instituto Pólis, Março/2011, página 32 e 33.
Gontijo, Silvana. O livro de ouro da comunicação. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004
Traquina, Nelson. O Estudo do Jornalismo no Século XX.o Leopoldo (Brasil): Editora Unisinos, 2001.

Participante do grupo de Iniciação Científica - A geopolítica dos Estados: os novos atores internacionais, sob a coordenação do Prof. Marlus Forigo




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