Mundão
LIBÉRIA: DA GUERRA CIVIL A ELEIÇÃO DA PRIMEIRA PREISIDENTE EM ÁFRICA
Por: Belarmino Van-Dúnem
A Libéria é o Estado, no continente africano, que encarna o pan-africanismo. Os afro-americanos voltaram para o continente, no território que hoje constitui a Serra Leoa, na esperança de viver dias melhores, livres e com igualdade de direitos.
A história da actual Libéria começou em 1815 quando um comerciante norte-americano decidiu financiar alguns afro-americanos convicto de que esses teriam maior sucesso económico e social se estivessem instalados em África, terra dos seus ancestrais. O objectivo era o dar uma oportunidade aos negros americanos usufruírem também dos direitos fundamentais e refazerem a vida junto dos povos nativos, tentando transmitir os valores da liberdade e do bem-estar da Europa e dos EUA. Não foi preciso passar muito tempo para que afro-descendentes passassem a dominar politica e economicamente a região, passando a existir uma espécie de neocolonialismo feito por indivíduos da raça negra.
Os nativos viam os retornados e os seus descendentes como ocupadores do seu território. Desde a chegada da primeira leva de negros americanos, na primeira década do século XIX, envolveram-se em conflitos violentos, mas com vantagem para os novos habitantes que tinham o apoio da sua pátria de origem, os EUA. A pressão era muita para os ex-escravos negros americanos: por lado enfrentavam ataques frequentes dos grupos nativos, por outro, a coroa inglesa também via com maus olhos as tendências emancipadoras dos afro-americanos que, não tendo um território delimitado, poderiam influência toda a colónia, neste caso concreto a Serra Leoa.
As inquietações dos britânicos não demoraram muito a se efectivar, a administração americana declarou oficialmente a sua única colónia em África no ano de 1824, mas, três anos depois, ou seja, em 1827 os afro-americanos declararam a independência com base nos valores norte-americanos, facto que é facilmente observável pela semelhança das duas bandeiras. Alias, as autoridades americanas tiveram sempre uma atitude paternalista em relação aos liberianos que colocaram o nome de Monróvia a capital do país em homenagem ao Presidente norte-americano James Monroe (1817-1825), que apoiou a organização não governamental para angariação de fundos com vista a enviar afro-americanos para a actual Libéria. Inclusive o exército americano patrulhava e, fez várias intervenções no território para inibir as duas potências coloniais, Inglaterra na Serra Leoa e a França na Cote D’Ivoire, de fazerem qualquer tipo de intervenção na nova nação política neo-americana, constituída só por negros americanos, assim como para garantir a democracia interna.
Assim nasceu o segundo Estado africano independente, para alem da Etiópia que, apesar da ocupação Italiana, nunca sofreu com a colonização. Portanto, os liberianos emergiram no meio de paradoxos, uma guerra inevitável com os nativos devido a expansão constante do território, em menos de vinte anos o território duplicou. Os ingleses, que aceitaram a instalação da colónia americana a pensar na existência de um novo mercado, também viram as suas ambições goradas porque o Estado liberiana fazia toda a sua política voltada para os EUA. Mas o que mais impediu o desenvolvimento do território foram os conflitos internos que tomaram dimensões alarmantes.
O mais difícil de entender foi facto dos negros afro-americanos terem negado a cidadania aos nativos durante vários anos, os nativos só começaram a exercer o direito de voto, de forma limitada, em 1951 apesar de constituírem a maioria no país.
A democracia também era bastante deficiente, até 1980 só o Partido Republicano liberiano existia em competição com o Partido True Whing que dominou a política nacional até a década de 80. A partir dessa data começou o verdadeiro martírio do povo liberiano. No ano de 1980, pela primeira vez, chegou ao poder um liberiano de origem autóctone ou local. O Sargento, Samuel Doe orquestrou um golpe de Estado e instalou um regime militar no país até 1985 quando foram realizadas as primeiras eleições com a maioria nativa a votar sem qualquer restrição. Mas segundo a maioria das análises da altura, o processo esteve cheio de irregularidades e Samuel Doe foi declarado vencedor.
O regime instalado por Samuel Doe saiu de um extremo para outro. A minoria afro-americana foi afastada do poder, causando um grande descontentamento que levou ao início de uma escalada de violência com consequências para além das fronteiras da Libéria, nomeadamente na Serra Leoa. As facções de afro-americanos uniram-se para derrubar o regime de Samuel Doe.
O Grupo mais notável foi a Frente Nacional Patriótica da Libéria (FPNL, sigla inglesa) liderado por Charles Taylor, que subdividiu-se na facção que surgiu mais tarde com o nome de Frente Nacional Patriótica Independente da Libéria (IFPNL) com Prince Johnson na liderança, e foi essa facção que capturou e assassinou o Presidente Samuel Doe. A Guerra Civil da Libéria destacou-se em África por duas razões:
a) A crueldade usada pelos beligerantes era assustadora, tanto Samuel Doe como os grupos que o combatiam recorriam a violência de forma indiscriminada contra a população civil que julgavam estar do lado oposto. As milícias sob comando de Charles Taylor usavam caveiras humanas e incentivavam rituais com práticas de canibalismo a mistura, tal como reconheceu o próprio Charles Taylor numa das sessões do seu julgamento que está a decorrer em Haia. Justificou que essa pratica era feita pelos nativos e em algumas regiões de África desde os tempos antigos e que era uma das formas para valorizar as tradições africanas. Mas como é claro, esse argumento não foi bem recebido pelos juízes nem pelas pessoas comuns que estão a seguir o caso.
b) Foi na Libéria onde o continente africano, pela primeira vez, ensaiou uma intervenção militar comunitária. A CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental) sentiu necessidade de criar estruturas de intervenção militar em 1990, ano em que a guerra civil se degenerou por todo país com consequências humanitárias bastante negativas e, sobretudo com extensão aos países limítrofes, devido ao grande fluxo de refugiados; desrespeito pelos direitos humanos; ataque as embaixadas e aos cidadãos estrangeiros e a existência de uma situação de anarquia no território liberiano. Os Chefes de Estado e de Governo da CEDEAO reuniram-se em sessão extraordinária na Gâmbia, Maio de 1990, para analisar a situação e tomar medidas adequadas. Dessa conferência saiu a Comissão de Mediação (SMC) e foi aprovado o “Plano de Paz para a Libéria” com os seguintes pontos:
• Observação do cessar-fogo imediato entre as facções
• Formação de um grupo de observação e monitorização da CEDEAO (ECOMOG)
• Realização de eleições legislativas e presidenciais em 1991
Em Julho de 1990, a Nigéria, Gana, Guiné, Serra Leoa e Gâmbia disponibilizaram militares para missão na Libéria. Essa missão de paz da ECOMOG foi a primeira que uma organização regional africana formava com uma força militar multinacional cuja finalidade era observar os acordos de paz num país africano.
Apesar do mandato da ECOMOG ter sido de Observação de Cessar-Fogo, os militares que compunham o grupo viram-se obrigados a combater com uma das facções em conflito, o NPFL liderada por Charles Taylor, que não concordava com o envio da força para o seu país, alegando falta de neutralidade das mesmas (Dowyaro 2000). Mas, segundo Robert A. Martimer (1996:191-195), a operação da ECOMOG na Libéria teve desde a sua génese grandes dificuldades porque não houve consenso entre os Estados membros. A divisão dos Estados membros, alguns apoiando os grupos rebeldes, enquanto outros apoiavam o regime no poder, fez com que as facções em conflitos não se entendessem. Segundo o mesmo autor, o grupo francófono da CEDEAO opôs-se desde o início ao envio das forças. Alguns Estados apoiavam materialmente e facilitavam a passagem dos rebeldes pelas suas fronteiras, a Cote D’Ivoire, por exemplo, facilitava as actividades do NPFL que prendia os capacetes azuis da ONU, assim como os efectivos da ECOMOG com inferior capacidade militar.
Os contornos que a missão da ECOMOG teve na Libéria permitem analisar dois aspectos fundamentais que uma missão de paz pode ter:
a) Por um lado, os aspectos negativos que uma missão deste carácter pode ter se a sua preparação não for feita com todos os pressuposto humanos, materiais e políticos;
b) Por outro lado, permite analisar as vantagens que uma força de mediação, prevenção e resolução de conflitos a nível regional tem. Embora os mesmos erros tenham sido repetidos por outras organizações regionais e pela União Africana nas missões que se seguiram no continente.
Depois da assinatura de vários acordos de paz, só em 1996 é que os cidadãos viveram numa paz precária e pela primeira vez uma mulher assumiu os destinos de uma Nação africana. Ruth Perry, presidiu o Conselho Nacional da Libéria que levou o país até as eleições em 1997 que colocaram Charles Taylor na Presidência com 75 por centos dos votos. Mas a guerra civil só terminou em 2003 quando o empresário Gyude Bryant foi indicado como Presidente interino para a realização de eleições, numa altura em que o Presidente eleito, Charles Taylor já se encontrava foragido. As eleições foram realizadas em 2005 e, mais uma vez, a Libéria elegeu a primeira mulher Presidente, Ellen Johonson-Sirleaf.
Embora não seja de origem afro-americana é considerada como tal. Aliás foi Ministra das finanças durante a presidência de William Tolbert, mas durante alguns meses exerceu também o cargo de Presidente do Banco de Desenvolvimento e Investimento no governo formado por Samuel Doe depois do Golpe de Estado. No mês de Outubro de 2011, Ellen Johonson irá tentar renovar o mandato como já anunciou, contrariando a promessa que fez em 2005 de não recandidatar-se. A verdade é que até a data o país está em paz e a trilhar os caminhos do desenvolvimento social e económico o que prova que a guerra só traz desgraças.
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