Direito Internacional em Foco: A Santa Sé enquanto sujeito de Direito Internacional Público
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Direito Internacional em Foco: A Santa Sé enquanto sujeito de Direito Internacional Público



A seção Direito Internacional em foco é produzida por alunos do 3° Período do Curso de Relações Internacionais da UNICURITIBA, com a orientação da professora de Direito Internacional Público, Msc. Michele Hastreiter e a supervisão do monitor da Disciplina, Gabriel Thomas Dotta. As opiniões relatadas no texto pertencem aos seus autores, e não refletem o posicionamento dos professores ou da instituição.


  A Santa Sé enquanto sujeito de Direito Internacional Público 
Ana Carolina Gral, Leonardo Albanez e Otávio Vidal  

A Santa Sé, ou Sé Apostólica, é a instituição que comanda a Igreja Católica e exerce a jurisdição soberana sobre o Vaticano. Este, por sua vez, localiza-se dentro da cidade de Roma, possui um território de 44 hectares sendo um enclave cercado pela Itália. Conta com uma população de cerca de 1500 pessoas e possui instituições próprias e serviços públicos.

Enquanto o Vaticano é um Estado, a Santa Sé possui personalidade jurídica análoga à dos Estados, tendo autoridade para firmar tratados entre dois sujeitos de Direito Internacional. Tais tratados são chamados de concordatas, que apresentam os mesmos requisitos de um tratado tradicional.

Para compreender a posição da Santa Sé enquanto sujeito do Direito Internacional, parece-nos interessante apresentar uma breve análise de sua história. Em 1870, após a invasão da Roma pelas tropas de General Cadorna, a Santa Sé perdeu sua base territorial, sendo os Estados Pontifícios anexados à Itália. Deu-se início a anos de discussões doutrinárias acerca da possibilidade do reconhecimento de sua personalidade jurídica internacional, em que alguns doutrinadores alegavam que a mesma não seria possível devido à falta de base territorial e outros defendiam que bastava sua alegada soberania espiritual.

Na prática, no entanto, o Papado continuou sendo considerado sujeito de Direito Internacional por vários Estados e, dessa forma, assinando concordatas. Finalmente, em 1929, foi firmado um acordo entre o Papa e a Itália, chamado de Tratado de Latrão. Nele estavam pactuados um acordo político, um acordo financeiro e uma concordata. O acordo reconheceu a soberania internacional da Santa Sé, também lhe conferindo o direito à plena propriedade e à jurisdição soberana sobre o Vaticano. Desde há muitos séculos, o Estado Papal já tinha sua personalidade reconhecida na comunidade internacional e era tratado como um país.

A Santa Sé é considerada por alguns o ente diplomático mais antigo do mundo, pois durante muito tempo, o Chefe da Igreja Católica também exercia as funções de Chefe de Estado. O que era dito pelo Papa era tomado como lei e ajudava na solução de conflitos entre outros Estados. Sua autoridade nunca foi posta em dúvida, mesmo por Estados de população não católica. Segundo Mazzuoli, o Estado da Cidade do Vaticano, por sua vez, também criado a partir do Tratado de Latrão e distinto da Santa Sé, é de fato um Estado. Sua criação serviu para conceder ao Papa o poder atemporal e dar uma base territorial à Igreja Católica, servindo para garantir à Santa Sé a independência necessária para que ela conseguisse exercer sua função de governo.

O autor expõe em sua obra que o Estado da Cidade do Vaticano apresenta todos os requisitos para ser chamado de Estado: possui soberania, um território e uma população. Apesar de inexistirem nacionais provenientes do Vaticano, existe uma população, que são os residentes desse território e que exercem alguma função para a Igreja, a exemplo dos cardeais que lá residem e que recebem a nacionalidade vaticana, também preservando sua original. Apesar de a Santa Sé ser considerada como sediada dentro do Estado da Cidade do Vaticano, sua influencia não se limita a tal território, já que possui liderança religiosa espalhada pelo mundo todo. A forma de governo do Estado da Cidade do Vaticano é a monarquia eletiva, onde o Papa é eleito por um grupo de cardeais e seu cargo é vitalício. O próprio Papa se torna o Chefe de Estado e possui a plenitude dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

No Brasil, desde o Decreto no. 119-A de 1890, que afirmou a laicidade do Estado, deu-se início a certa discussão acerca da legitimidade da celebração de concordatas no país. Embora o decreto não se encontre mais em vigor em sua totalidade, sabe-se que o princípio da separação entre Igreja e Estado permanece basilar em nossa República. A discussão, assim, permanece viva em parte da doutrina.

Certo é que tratados, ao menos de matéria geral, são de fato firmados entre ambos, como atesta a assinatura do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé Relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, de 2008, em que a República reconhece a Santa Sé como suprema autoridade da Igreja Católica e sujeito de Direito Internacional ao mesmo tempo em que reafirma o princípio constitucional do livre exercício dos cultos religiosos.

 Relevante na matéria é também decisão do Superior Tribunal de Justiça quanto à contestação de homologação de sentença eclesiástica de anulação do matrimônio, que esclarece: “a laicidade do Estado não significa, por certo, inimizade com a fé [...] o que é vedado ao estado aconfessional é sancionar juridicamente normas ético-religiosas próprias à fé de uma confissão [...].” A Santa Sé não possui plenitude no status de membros nas grandes organizações internacionais, embora atue desde 1964 como “observadora permanente” na ONU, tendo direito a se manifestar durante a Assembleia Geral, mas sem direito ao voto.

A figura do Papa também é utilizada como um exemplo de diplomacia na resolução de conflitos de grande relevância no mundo atual, visando evitar o uso da força, através do diálogo franco entre os governadores dos Estados conflitantes. Um bom exemplo é a atuação da Santa Sé na intermediação dos diálogos referente à reaproximação dos Estados Unidos da América com Cuba, em que o principal intermediador foi o Papa Francisco que conversava com ambos os lados pedindo a normalização das relações entre os dois países.


 FONTES CONSULTADAS PARA ELABORAÇÃO DO TEXTO:

Valério de Oliveira Mazzuoli, Curso de Direito Internacional Público, 5. Ed.

Acordo Entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé Relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil (13 Nov 2008), Preâmbulo. Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7107.htm>>

 Superior Tribunal de Justiça, Relatório,
 Sentença Estrangeira Contestada No. 11.962 – VA (2014/0121085-1), p. 8. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/homologacao-sentenca-eclesiastica.pdf


 FONTE DA IMAGEM: http://www.publico.pt/mundo/noticia/papa-recebe-obama-numa-audiencia-com-prioridade-a-luta-contra-desigualdades-1629946



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