Anders Breivik: terrorismo com causas europeias
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Anders Breivik: terrorismo com causas europeias



Ian Rafael

O dia 22 de julho foi marcado na Europa com os atentados em Oslo que levaram à morte de cerca de 80 pessoas, tanto na rua da sede do governo, quanto num retiro de jovens do Partido Trabalhista na ilha de Utoya. As primeiras informações, ainda desencontradas, apontavam para o maior receio ocidental, o vilão número um do mundo desde a Era Bush: o terrorismo. De fato concretizou-se o medo, mas de uma maneira surpreendente: a causa do atirador era pan-europeia e não de anti-ocidentalismo.
O norueguês “puro”, de 32 anos, contrariou todas as expectativas da mídia e da população após ser impedido de continuar a matança na ilha. Seu disfarce de policial foi apenas uma forma de “arrebanhar” os jovens de Utoya, já que a passividade da polícia norueguesa foi preponderante para o ataque durar mais de uma hora. Anders Breivik não chamaria a atenção na Noruega, tem o porte e a aparência normais, loiro, alto e olhos azuis. Agora, no entanto, é visto como uma mente insana, capaz de idealizar um plano minucioso para liberar a Europa do islamismo, do multiculturalismo e do marxismo cultural.
Em sua visão, a mass-mídia, ao lado dos formadores de opinião (professores, movimentos sindicais, empresas de publicidade) e dos governos europeus, dita as políticas culturais, suprimindo o conservadorismo cultural europeu e incentivando o multiculturalismo, que desconstruiria a tradição europeia. As estratégias principais seriam: i) as de imigrações, ii) desconstruções históricas glorificando os regimes marxistas (socialistas, no caso da URSS) e iii) apresentação de ídolos que aderem ao marxismo. Seu vídeo de apresentação do manifesto também “revela” que a ONU já foi usurpada pelas ditaduras islâmicas, que possuem 50 representantes na organização, enquanto as democracias europeias chegam a 45.
O fascismo às avessas, em suas palavras, ocupa também as ditas democracias europeias, onde o conservadorismo cultural não encontra voz no meio dos formadores de opinião majoritariamente marxistas e adeptos do multiculturalismo. E o ataque da semana passada vai justamente ao encontro desse trecho. Objetivo principal dele na sexta-feira foi o de realizar o maior número possível de baixas no cerne do governo que está de acordo com todo esse projeto multicultural. Essa seria “uma gota de água, que se tornaria um tsunami” consumindo 100 partidos políticos europeus formadores de uma aliança que apoia o multiculturalismo.
 Os alvos são divididos em categorias. A categoria A e B teriam pena de morte para líderes políticos, midiáticos, culturais e industriais, além de simpatizantes. Realizando uma estimativa para cada país de acordo com sua população, Breivik anuncia a existência de 416 mil traidores na Europa Ocidental. Todo o projeto é detalhado, contando a formação do exército, suas armas (50 páginas, incluindo uma parte sobre armas de destruição em massa), informações para treinamento, análise do mercado negro (e das máfias) e estratégias tanto militares quanto políticas. Informações sobre produção de bombas, compra de fertilizantes e noções sobre química também aparecem, assim como uma seção voltada para utilizar usinas atômicas como armas. Os membros são chamados de Cavaleiros Templários, em referência clara à ordem de proteção aos cristãos que peregrinavam à Jerusalém.
O plano vai até aos mínimos detalhes, como a tumba para certos “Cavaleiros Templários” que honraram a causa, passando pelas comendas oferecidas de acordo com a hierarquia e músicas (em inglês e sueco) para animar a tropa. O ritual de iniciação também é detalhado com um juramento incitando a luta contra os infiéis.
Apesar da sua citação direta às Cruzadas, aos Cavaleiros Templários e a sua ideologia pró-cristã, o próprio Breivik não se mostra um cristão fundamentalista. Ao contrário, ele baseia suas ideias em relação à religião como meio de formar uma Europa unificada culturalmente, mas demonstra certas dúvidas em relação à existência de um ser superior. No vídeo que serve como resumo para o manifesto, Carlos Martel, Rodrigo Diaz de Vivar, Ricardo Coração de Leão, Jacques de Molay e Vlad Tepes (Vlad III, Príncipe da Valáquia) são apontados como referências na luta contra a ameaça expansionista dos árabes muçulmanos à Europa. Já Hitler ganha o apelido de “o grande Satã”, já que devido à sua “insana campanha e subsequente genocídio de 6 milhões de judeus, o multiculturalismo e a ideologia de ódio anti-europeia foram criadas”.
 Para a Europa ele defende o isolacionismo, evitando ligações culturais maiores com os Estados Unidos (fornecedores de uma cultura hip-hop que deturpa a juventude), o fim das bases militares norte-americanas na Europa, deportação dos muçulmanos da Europa, além de pontos de vista à favor de Israel, dos Afrikaners, dos Roms (ciganos), entre outros. A União Europeia não é o método escolhido como forma de uni-culturalismo, pelo contrário, o Tratado de Lisboa é negado. As citações ao Brasil são poucas, visto que o documento é voltado à Europa, mas somos citados como um país sem coesão social, o que interfere brutalmente na produção brasileira, causa corrupção e produz um eterno conflito. A falta de coesão social, de acordo com Anders, é culpa das diversas “culturas” decorrentes da “bastardização” envolvendo “europeus, asiáticos e africanos”.
Voltando ao mundo real, o pós-ataque revelou-se bastante traumático para os governos europeus, que se viram com uma ameaça iminente devido ao manifesto e suas possíveis ligações com os grupos de extrema-direita em toda Europa. Diversos membros de partidos de direita, como o  EDL inglês já apressaram a negar envolvimento. Já um nacionalista flamenco-belga chamado Paul Belien (citado diversas vezes no manifesto) está sendo investigado. Já a defesa do próprio Anders Breivik pensa em declarar insanidade mental para conseguir uma pena mais branda, o que se torna extremamente surreal ao ler-se o manifesto. Breivik é uma pessoa com um nacionalismo arraigado, com diversos problemas de intolerância, mas está consciente do que escreve e de seus atos, mesmo os mais insanos como a questão das centrais nucleares e levar às vias de fato seus ideais. Seu caso muito recorda o de Theodore Kaczynski, o Unabomber, outro sujeito inteligentíssimo que declarou sua guerra (dessa vez à “Nova Ordem Mundial”). Inclusive o próprio Breivik faz essa ligação, ao copiar diversas partes do manifesto do Unabomber e incorporar ao seu.
Nisso entra o papel da imprensa, que falhou clamorosamente ao dar maior ênfase à pauta mais branda e cômoda, a morte de Amy Winehouse no dia seguinte ao ataque terrorista. Inclusive esse termo foi usado com muito mais timidez quando as evidências surgiram com mais precisão, deixando de lado a tese de mais um ataque dos fundamentalistas islâmicos.
Partidos nacionalistas ou anti-imigração já vêm conquistando eleitores em eleições pela Holanda (15.5%), Hungria (16,7%) e Áustria (17.4%). A própria Escandinávia vê seus partidos de extrema-direita, com pauta anti-imigração, diminuição dos recursos aos imigrantes e aos países em desenvolvimento, aumentando suas votações (Suécia 5.7%, Noruega 22%, Finlândia 19%, Dinamarca 14%). Essa ação de “lone wolf” pode ter um efeito completamente inverso, levando à repulsa dos movimentos xenófobos. Essa é a melhor hipótese, já que pessoas podem realmente levar a sério os ideais desse norueguês de ódio ao multiculturalismo e utilizar-se do vasto material compilado para uma guerra civil, visto que o manifesto continua disponível na internet para baixar, sem cortes ou censura da parte do site onde o conteúdo está.

Ian Rafael é acadêmico do quarto período do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba.







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