A Escola Inglesa Martin Wight e Hedley Bull - Clássicos de RI - Parte 2
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A Escola Inglesa Martin Wight e Hedley Bull - Clássicos de RI - Parte 2


 Se Martin Wight foi o maior intelectual da escola inglesa de relações internacionais, Hedley Bull foi o seu maior discípulo.

Nascido na Austrália em 1932, mas passando a maior parte de sua vida na Inglaterra onde participou das famosas conferencias ministradas por Martin Wight na London School of Economics, tendo  sido também professor de várias instituições vindo a falecer vitima de um câncer em 1985 com 53 anos de idade.

Seu trabalho fundamental é o clássico "A Sociedade Anárquica: um estudo sobre a ordem internacional". Nesse estudo vemos a influência das idéias de Wight nas tipologias do pensamento internacional, o direito e a  sociedade internacional. Se, por um lado, há elementos que permitem sentir a importância do mestre no discípulo, por outro, temos que este superou o seu mentor na abrangência e na densidade do estudo da ordem internacional e creio que esse será o seu maior legado para os estudos de RI.

Ao analisar a ordem internacional Hedley Bull dirá que entende por ordem um determinado padrão que está conformado para a sustentação da sociedade dos estados ou a sociedade internacional.
Neste sentido, sociedade internacional ou sociedade de estados é definida quando um grupo de estados,conscientes de certos interesses e valores comuns, formam uma sociedade no sentido de se considerarem ligados, no seu relacionamento, por um conjunto comum de regras, e participam de instituições comuns.

Já o sistema de estados é algo mais amplo e concatenado sendo definido quando dois ou mais estados tem suficiente contato entre si, com suficiente impacto recíproco nas suas decisões, de tal forma que se conduzam, pelo menos até certo ponto, como partes de um todo. A interação dos estados pode ser direta ou indireta, por exemplo, o Nepal e a Bolívia não possuem nada em comum (exceto serem membros da ONU) não são vizinhos, competidores ou  parceiros em qualquer empreendimento comum mas eles se influenciam mutuamente por meio da cadeia que os vincula a outros estados, a que ambos estão presos, neste sentido, portanto estão no sistema internacional.

A ordem internacional sobre a qual Bull se debruça tem como objetivo garantir a preservação do próprio sistema e da própria sociedade internacional, ou seja, garantir a independência dos estados, a paz, o controle do uso da violência e regras de acesso a propriedade seja ela publica ou privada. Disso sendo testemunha a história quando da tentativa  do império Habsburgos, do império napoleônico, da Alemanha hitlerista, do papado e etc de tentar impor um império universal.

A partir daí Bull passa a comparar o elemento da ordem internacional com outros elementos da sociedade internacional e traça algumas reflexões bastante interessantes.

No capítulo IV em que expõe as relações entre ordem e justiça e afirma que a ordem, pelo menos no plano internacional, tem precedência sobre a justiça porque ela é, inclusive, um pré-requisito essencial para a sua própria obtenção, e pensar o papel da justiça internacional é também pensar uma ordem em que estes dois elementos não estejam sempre em contradição, vale dizer, que em alguns casos a justiça pode se sobrepor a ordem.

Quanto à relação entre ordem e equilíbrio de poder que é definido com base em Vattel (quando nenhuma potência possui posição de preponderância absoluta e em condições de determinar a lei para outras) Bull identifica a existência de dois tipos de equilíbrio de poder: o simples e o complexo. O simples seria o bipolar enquanto o complexo contaria com mais potências de cada lado sendo por isso mais estáveis pela dificuldade de sua desestabilização. Na verdade, o equilíbrio complexo seria mais que somente uma luta pela busca do poder. Bull explica com base numa metáfora:  "na política internacional há movimentos feitos em muitos tabuleiros de xadrez. No tabuleiro da contenção nuclear estratégica os EUA e URSS são os jogadores supremos; a China é um principiante e o Japão não está presente. No xadrez do poder militar convencional os EUA e a URSS são também os jogadores mais importantes, dada sua capacidade de usar sua força militar em vastas áreas do mundo a China é um jogador menos importante porque só pode usar a sua força regionalmente. No xadrez dos assuntos monetários, de comércio e investimentos, os jogadores principais são os EUA e o Japão, a URSS tem importância menor e a China é relativamente irrelevante. No xadrez da influência tecnológica, pode-se argumentar que a China é o jogador mais proeminente, no entanto, o jogo em todos esses tabuleiros está interligado". A função de qualquer equilíbrio de poder é evitar o advento do império universal sendo importante frisar que às custas de estados menores.

Um outro tema que Bull investiga é o do direito internacional e a ordem internacional ele define direito internacional como conjunto de regras que ligam estados e outros agentes em suas relações recíprocas as quais se atribui status legal. A eficácia desse direito internacional é medida pela obediência, na maior parte do tempo, pelos estados à maioria destas regras. Qualquer estado que viva em paz com pelo menos um outro estado, mantendo com ele relações diplomáticas, intercambiando dinheiro, bens e viajantes, ou que faça um acordo com outro estado, está envolvido em obediência ao direito internacional.

Atualmente, o direito não se caracteriza por ser algo exclusivamente estatal, os indivíduos passaram a gozar de direitos no plano internacional a partir das cartas dos tribunais de Nuremberg e de Tóquio, da declaração universal dos direitos humanos em 1948, do tratado sobre direitos civis e políticos e o tratado sobre direitos econômicos, sociais e culturais de 1950.Além de outras entidades intergovernamentais de âmbito internacional, algumas ongs e organizações transnacionais também serem admitidas no direito internacional.

No que concerne a ordem e o direito especificamente Bull citando seu professor entende que a teoria internacional (pelo menos na sua formulação principal, como direito internacional) oscila numa especie de contraponto em relação aos movimentos da diplomacia. Quando a diplomacia é violenta e inescrupulosa, o direito internacional eleva-se as alturas do direito natural; quando adquire um certo hábito de cooperação, o direito internacional chafurda na lama do positivismo legal.

Sobre a diplomacia e a ordem, a definição adotada por Bull é a de que a diplomacia é a gestão das relações entre estados ou outras entidades da politica mundial, por meios pacíficos e com uso de agentes oficiais. Ela inclui tanto a formulação como a execução da politica externa de um estado, a sistematização de informações sobre o ambiente internacional. A diplomacia cumpre a função de facilitar as comunicações, isto é, a ideia de mensageiros de um estado que deve gozar de imunidades para que sua função seja cumprida a contento. A segunda é negociar acordos em nome do estado.

Para Bull a guerra cumpre uma função com relação a ordem internacional do ponto de vista do estado individualmente que busca obter por meio dela um determinado objetivo politico, do ponto de vista da sociedade internacional que visa ordenar e regrar o ato da guerra se adaptando a nova realidade imposta por meio dela e admitindo sua legalidade quando cumprido alguns requisitos legais, e por ultimo,do ponto de vista do sistema sendo o instrumento de que dispõem os estados para promover mudanças que consideram justas na sociedade internacional.

Um ponto importante levantando por Bull é o papel que desempenha a guerra nos dias de hoje, a saber, nos dias de domínio da tecnologia nuclear e a possibilidade de destruição de toda humanidade caso haja a deflagração de uma contenda entre estados detentores desses armamentos.

Bull, argumenta que embora o cenário internacional convide à reflexões no sentido de que a guerra pela sua letalidade atual deixou de ser a politica por outros meios e caiu na sua própria negação, cabe lembrar que os estados têm se valido de sua superioridade nuclear para promover seus objetivos por meio da ameaça e do recuro a força não nuclear. De tal modo que o domínio nuclear tem servido aos objetivos dos estados mais do que pode parecer a primeira vista que seu uso seria relegado a inutilização.

Um dos aspectos mais interessantes de Sociedade Anárquica são as reflexões que Bull faz sobre o sociedade internacional em uma delas ele elenca as alternativas de superação da sociedade de estados. Primeiro ele entende que para superar o atual sistema de estados seria necessário alterar-se radicalmente três elementos fundamentais. A pluralidade de estados, um grau de interação entre eles e a aceitação de regras comuns.

Nesse sentido  a hipótese de um  mundo desarmado apesar de alvissareira não destruiria as bases fundamentais do sistema de estados e além disso o problema da ordem em um mundo desarmado fica sem resposta.  Assim os temas com que nos defrontamos hoje com respeito a manutenção da ordem no mundo repleto de armamentos poderiam ressurgir em um mundo desarmado.O que não quer dizer que se prefira o primeiro mas significa que um mundo sem armas não é uma alternativa viável.

Outra hipótese é a da solidariedade dos estados que representaria a realização da doutrina grociana  da ordem internacional que ao  contrario de  um governo mundial busca na cooperação entre os estados sua substituição. Nele o principio da segurança coletiva substituiria o equilíbrio de poder, isto é, a busca da segurança com base no conjunto dos estados em detrimento da segurança egoísta dos estados. Seu único problema seria o de que na situação atual essa solidariedade não existe.

A ideia de liberalização completa e plena de armas nucleares se coloca juntamente com a  hipótese da homogeneidade ideológica que se vista com os olhos no passado, atualmente se caracterizaria por trazer mais desordem do que ordem ao sistema. O governo mundial seria uma opção não fosse a aniquilação da liberdade e independência dos estados. Com relação as alternativas não históricas mudanças climáticas, progresso tecnológico, mudanças revolucionarias e catástrofes Bull não desenvolve.

Por fim, Bull é leitura fundamental nos dias de hoje porque lembra que a teoria é uma atividade intelectual, não podendo ser retirado de seu estudo conselhos e soluções práticas, e que embora haja muita vontade de conhecer o que trará o futuro da politica mundial e como devemos nos comportar nesse contexto é importante ressaltar que neste tema estamos a tatear no escuro e é melhor a plena escuridão do que pretender que podemos enxergar a luz.










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