Mundão
A Escola Inglesa - Martin Wight e Hedley Bull - Clássicos de RI -Parte 1
Na década de 1950 alguns intelectuais ingleses se juntaram no Comitê Britânico com a finalidade de discutir uma teoria de política internacional que não se prendesse somente aos debates entre realismo e liberalismo. A ideia era formar um centro de pensamento em relações internacionais próprio que espelhasse o entendimento britânico sobre a matéria. Para Hedley Bull o interesse nos estudos internacionais que ocorriam tanto nos EUA quanto na Inglaterra era o reflexo do papel de inserção internacional de um e o declínio de outra. Assim, em 1958, com o apoio da Fundação Rockefeller, reuniram - se historiadores, diplomatas, filósofos, jornalistas e economistas em torno desse centro e os trabalhos publicados por eles deu origem ao que se convencionou chamar de Escola Inglesa de Relações Internacionais.
As principais contribuições dos estudiosos da Escola Inglesa para a teoria de relações internacionais foram a superação do debate entre realistas e idealistas, o estabelecimento das premissas do caminho do meio representado pelo pensamento grociano, a separação da teoria política clássica da história e da teoria internacional, a inauguração da análise em torno da sociedade de estados e a importância da história.
No que concerne a Martin Wight, talvez a maior contribuição para a disciplina tenha sido a abordagem das três tradições em que resgata o legado do pensamento de Nicolau Maquiavel, Hugo Grotius e Imanuel Kant e os apresenta como tradições do pensamento internacional materializadas no Realismo, Racionalismo e o Universalismo (revolucionista).
De um lado, a perspectiva realista de poder entende o sistema de estados como o estado de natureza hobbesiano, em que os estados estariam em uma guerra de todos contra todos, anárquico por inexistir uma força supranacional e estado-centrica cuja única preocupação seria a própria sobrevivência sendo esse o elemento principal para o surgimento de guerras.
No extremo oposto a tradição revolucionista encontra suas raízes em Kant e na noção de emancipação dos povos, se o realismo se pauta por sua análise nos Estados, aqui, o alvo de toda ação estatal deve ter como principal preocupação o ser humano.
Entre o realismo de Maquiavel e o revolucionismo de Kant está situado o racionalismo fundamentado no jurista holandês Hugo Grotius, que aceita premissas das duas tradições anteriores sem se tornar cínico como os realistas nem fanático como os revolucionistas. Esta tradição de pensamento incorpora um conjunto de elementos comum a ambas filosofia que podem ser resumidas em:
1- a presença de uma multiplicidade de estados soberanos
2- o mútuo reconhecimento das soberanias
3- a distribuição assimétrica do poder entre estados
4- a prevalência de mecanismos de comunicação entre estados
5- normas jurídicas que regulam o contexto dentro do qual operam os protagonistas da vida internacional
6- a defesa de interesses comuns à manutenção do sistema inter-estatal.
Outra contribuição importantíssima para a disciplina foi o desenvolvimento do conceito de sociedade internacional, isto é, quando um grupo de estados, cônscios de certos interesses comuns e valores comuns, formam uma sociedade no sentido que eles concebem a si mesmos como orientados por um conjunto de regras em suas relações uns com os outros e compartilham a operacionalização de instituições comuns, assim ainda que os Estados levem em consideração em seus cálculos o que acontece em um outro estado (definição de sistema internacional) isso não impede que entre eles sejam estabelecidas regras de convivência como a diplomacia, o direito internacional etc.
No capítulo X temos o centro do pensamento de Martin Wight que gira em torno da questão da sociedade internacional. Para ele, a sociedade internacional é diferente de qualquer outra por ser a forma de sociedade mais inclusiva da face da terra e elenca quatro peculiaridades:
1- É uma sociedade única composta por outras sociedade mais organizadas que chamamos de estados.
2-O número de seus membros é consequentemente pequeno não passa de 200.
3- Os membros da sociedade internacional são mais heterogêneos do que os indivíduos e,
4- Seus membros são no conjunto, imortais, no sentido que sua morte ultrapassa em muito o decurso de uma vida humana.
Além disso, o direito internacional também é caracterizado como um direito peculiar de direito sendo que os protagonistas do direito internacional são os Estados. Ele ainda é costumeiro, obrigatório para as partes contratantes e sem jurisdição compulsória.
Existem vários capítulos em A Política de Poder que podem ser citados como uma boa fonte de reflexão. Por exemplo, gosto muito do capítulo intitulado Anarquia Internacional que caracteriza o cenário internacional como uma multiplicidade de potências sem governo e aonde a causa fundamental da guerra não é a existência de rivalidade histórica, nem de acordos de paz injustos, nem de mágoas nacionalistas, nem da competição pelas armas, nem do imperialismo, nem da pobreza, nem da corrida econômica por mercados e matérias primas, nem das contradições do capitalismo e nem da agressividade do fascismo ou do comunismo, a causa fundamental da guerra é a ausência de um governo internacional. A Anarquia é o elemento distintivo da política internacional e ainda que haja um direito internacional e instituições para modificar ou complicar o seu funcionamento no plano internacional ela não está circunscrita a leis como na política doméstica sendo, portanto, governada pela luta pelo poder.
Outra tema importante para Wight é a diplomacia que seria a instituição mestra da sociedade internacional por ser definida como o sistema e a arte de comunicação entre estados. Ela se divide em embaixadas residentes e conferências. Depois de fazer um longo arrazoado sobre o nascimento da diplomacia moderna a partir do século XV e a estabilização do conceito de imunidade diplomática bem como a expansão à força desse sistema para fora da Europa Wight compara os pontos de similaridade que a espionagem divide com a diplomacia. Para ele a diplomacia deve comunicar, informar e negociar, ocorre que em tempos de revolução internacional o Estado tende a perverter essas funções espionando ao invés de comunicar, propagandeando ao invés de informar e subvertendo ao invés de negociar. Diplomacia seria tão ampla de forma a abarcar tanto Alec Leamas quanto M. de Norpois.
Ao discorrer sobre a Liga das Nações afirma que o fracasso da liga foi não ter tido a capacidade de superar a política do poder como um diretório na Europa, ou seja, as potências principalmente Inglaterra e Franca (EUA ficaram de fora e a URSS era vista com desconfiança) cederam em favor da Itália e a Alemanha às custas de potências pequenas cujo pactuado era proteger. Assim foi na invasão da Itália à Abissínia, a questão de Corfu que envolveu Itália e Grécia esta última saindo prejudicada, o acordo de Munique que sentenciou a repartição da Checoslováquia sem a participação de nenhum representante daquele estado, e o pacto nazista-soviético, podemos até mesmo ver a política do diretório em Yalta 1945.
Se a Liga das Nações é entendida por Wight como um fracasso sua sucessora As Nações Unidas é vista com maior pessimismo, porque tem exercido menos influencia na política internacional e ainda que seja uma evolução importante, não deixa de ser rudimentar e muito superestimada pelos estudiosos em sua importância .A diferença entre a ONU e a Liga das Nações está no fato de que esboço da carta escrita por EUA, URSS, Grã-Bretanha e França em Dumbarton Oaks e conferenciada em São Francisco em 1945 com as potencias aliadas determinou que o Conselho das Nações possuiria poder coercitivo, suas decisões seriam tomadas por maioria de 7 (de 12 membros), haveria a possibilidade de veto e assembleia geral decidiria com maioria de dois terços. Para Wight a ONU conseguiu manter uma certa disputa entre as potências comunistas, as potências do status quo e as potencias have-not (em referencia ao grupo dos não alinhados da conferência de Bandung de 1955).
Por fim a versão original de A política de Poder é de 1946 um ensaio que não passava de cem páginas. Sua publicação como livro foi baseada em rascunhos e outros ensaios escritos no decorrer das décadas seguintes. Sua leitura é clássica porque se concentra nos elementos duradouros da política internacional do sistema de estados europeus que se expandiu para o mundo após a segunda guerra mundial e que, portanto, conforma a moldura política dos dias atuais. Isto não significa dizer que Wight é infenso aos aspectos transnacionais que ocorrem por entre as soberanias quando não tenta suplantá-las como é o caso das revoluções. Já no que compete a importância das transações comerciais, os investimentos internacionais e financeiros que hoje dão a tônica da globalização Wight consideraria a ideia de que a economia internacional está se sobrepondo a política internacional como uma visão a-histórica da realidade. Martin Wight no último capítulo do livro que se intitula Para Além da política de poder mostra que sua convicção é a de que a longo prazo uma obrigação moral comum irá superar a ideia de interesse material comum. É certo que os homens irão trair suas obrigações mas enquanto eles continuam a acreditar nelas e reconhecer sua existência estará aberta a brecha pela qual toda a civilização pode escorregar.
Bibliografia
http://b36.moelabs.org/Teoria_das_RI_II-Rafael_Pons/II_semestre/Trabalhos/Escola_inglesa/ESCOLA%20INGLESA.pdf
http://www.revistadeestudosinternacionais.com/index.php/rei/article/view/36/pdf
http://www.seminariodehistoria.ufop.br/seminariodehistoria2008/t/gustavo.pdf
http://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/4290/4290_3.PDF
A política de Poder Martin Wight.
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