O avanço da Rússia sobre a Ucrânia, país que há pouco mais de 20 anos fazia parte da União Soviética, demonstra que o projeto de “Grande Rússia” do presidente Vladimir Putin já não está mais ficando apenas nos seus pronunciamentos. “Putin nunca olhou para a Ucrânia como se fôssemos um país independente, mas como um território que deveria pertencer à Rússia”, opina a jornalista ucraniana Yulia Bodnar, mestranda em Jornalismo pela Universidade de Amsterdã (Holanda). Ela esteve na praça Maidán, em Kiev, no início deste ano, protestando contra o ex-presidente Víktor Yanukovitch, hoje deposto. “O pior é que, se a Rússia anexou tão facilmente a Crimeia, sem nenhuma guerra, nada, e sem resposta à altura da comunidade internacional, Putin pode fazer o mesmo com a parte oriental da Ucrânia. Espero sinceramente que ele não cometa este erro”, completa.
O mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professor da Faculdade América Latina de Caxias do Sul, Cezar Roedel, é de opinião semelhante. “É muito provável que Putin anexe mais regiões da Ucrânia, pois a resposta que tivemos com a anexação da Crimeia não foi uma resposta muito articulada”, acredita. “Primeiro, porque o Ocidente não esperava que isso fosse de fato ocorrer. Se ocorrer um novo avanço russo, a tendência é que a resposta ainda seja desarticulada, pois a política externa norte-americana mostra uma série de crises, desde o caso da mediação da Síria.”
O passado do presidente russo também pesa muito neste enredo. “Putin é ex-agente da KGB. Ele pensa dez anos à frente. Imagino que ele já viesse articulando desde os anos 1990 esse projeto de anexação. Essa crise foi apenas o momento mais adequado”, afirma Roedel. “Muito dos próximos eventos dependerão da decisão da Ucrânia em aderir ou não à Otan. Se o fizer, acho provável que Putin tente novas investidas contra o país vizinho.” Além disso, Roedel acredita que a questão ideológica também influi. A derrubada da estátua do líder da revolução bolchevique e fundador da URSS,Vladimir Lenin, na cidade de Zhitomir, no noroeste da Ucrânia, é exemplo disso. “Analisando vídeos, imagens e fotos dos protestos, grande parte daquelas pessoas eram jovens. Não querem ficar amarrados a uma certa tradição e dependência da Rússia, mas, ao contrário, querem libertar-se dela.”
Encarar a dura realidade de que a Rússia está, de fato, aumentando seu território e avançando sobre seus vizinhos não é tarefa tão simples para os ucranianos. “Eu ainda não quero acreditar que esta anexação tenha acontecido, ela é tão contra a nossa constituição”, desabafa Bodnar. “Eu tenho um apego sentimental à Crimeia. O meu mapa mental da Ucrânia vai continuar sempre com a Crimeia fazendo parte do meu país. Foi lá que fiz a primeira viagem de verão com meus pais para a praia. É uma região diferente de onde venho na Ucrânia (Chernivtsi); fala-se russo na Crimeia, mas eu tive educação bilíngue, multicultural, e nisso não vejo problema nenhum. Não quero acreditar que a Crimeia não nos queira, isso está além da minha compreensão.”
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Publicado na Revista Voto de abril de 2014
Fonte: http://www.revistavotodigital.com.br/web/pub/voto/ (p. 64)
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