A crise na qual outros querem entrar
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A crise na qual outros querem entrar


Marcel van Hattem*, especial para a Revista Voto

"Imagine que seus vizinhos dão uma festa e você não é convidado". Com essa frase um documentário recente do canal holandês VPRO resumiu bem a situação na região dos Bálcãs na Europa. A região viu em 1º de julho de 2013 a Croácia ingressar oficialmente na União Europeia - apesar da crise econômica ainda em curso no bloco. O vídeo mostrou festa nas ruas, fogos e muita música no país, enquanto cidadãos davam depoimento sobre os benefícios de ingressar no enorme mercado comum europeu.

Do lado de lá da fronteira croata, porém, não parecia haver motivo para festa. Ao contrário: bósnios passaram a ter muito mais dificuldades para transpor a fronteira pois já não ingressam apenas na Croácia, agora têm de ingressar na União Europeia (UE) com visto ao custo de 100 euros por viagem.

Povos que, desde o fim da Guerra da Iugoslávia quando foram separados em vários países, estavam cada vez mais próximos nos últimos anos, têm agora entre si o que nunca tiveram: uma fronteira real a separá-los. Além de uma relação de ânimos desigual: enquanto croatas celebram o ingresso na UE, bósnios entrevistados não demonstraram qualquer apreço pela ideia. A menos, claro, que também tivessem sido incluídos desde já na UE, o que almejam mas, devido às condições impostas pelo bloco, não deve ocorrer tão cedo.

A situação de Croácia e Bósnia remete-nos aos recentes protestos populares de dezembro na Ucrânia. Enquanto os cidadãos ucranianos almejam por mais liberdade e democracia em um país considerado pela Freedom House apenas como “parcialmente livre”, o governo do país, aliado da Rússia e por ela pressionado, decidiu por não assinar um acordo de livre-comércio e associação à União Europeia. O resultado foi o oposto do que se viu na Croácia: insatisfação popular e milhões de pessoas nas ruas de Kiev e outras cidades da Ucrânia protestando.

A Europa está em crise econômica, e dela ainda não saiu. No entanto, novas adesões à UE a leste, como no caso da Ucrânia, continuam sendo bem-vindas por cidadãos. Outras tantas adesões continuam sendo sacramentadas, como a da Croácia em 2013 e, a partir deste mês de janeiro, da Letônia especificamente à zona do euro.

A contradição é, portanto, apenas aparente: para quem viveu por décadas atrás da Cortina de Ferro que o comunismo soviético impôs ao leste europeu durante a Guerra Fria, melhor ingressar em uma UE que experimenta crises econômicas esporádicas mas que garanta os direitos fundamentais do cidadão, do que viver em situação de constante necessidade e agressão aos direitos humanos mais fundamentais. No caso da Ucrânia, justamente pela pressão exercida pela Rússia em seu novo projeto ditatorial pós-soviético liderado por Vladimir Putin, a preferência popular por aproximação com a União Europeia não poderia ser mais evidente.

* Marcel van Hattem é cientista político, jornalista e consultor para relações internacionais

Original em:http://www.revistavotodigital.com.br/web/pub/voto/



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