Foto: arte/iG
por Gisele Passaura
A raiz do conflito sudanês está em sua localização entre a África árabe e África africana; África muçulmana e África cristã; África anglo-fônica e África franco-fônica. A situação foi acentuada pela colonização e aprofundada por um governo corrupto que priorizava os interesses da parcela norte islâmica. Ainda no império turco-egípcio a população do sul servia de mão de obra escrava para a parcela do norte. Essa segregação continuou no período anglo-egípcio quando, então, era promovida pelos britânicos para barrar o crescimento do nacionalismo árabe.
Após a independência em 1956 a língua oficial tornou-se o Árabe e o sistema jurídico aplicado foi a sharia. Ao longo das três décadas seguintes a população do sul foi marginalizada no que concerne o processo político do país independente, ocasionando a criação de uma resistência armada meridional.O Movimento de Libertação do Povo Sudanês (MLPS) foi criado em 1983 por John Garang, tendo seu braço armado o Exército de Libertação do Povo Sudanês (ELPS)Esse movimento possuía como principal objetivo libertar o Sudão dos caprichos do governo setentrional e redefinir as relações de governo no país.
Tentativas de democracia foram feitas, mas falharam em negociar com MLPS o que culminou em um golpe militar em 1989, sob a alcunha de Conselho de Comando Revolucionário para Salvação Nacional (CCRSN), liderado pelo brigadeiro Omar Hassan Ahmad al-Bashir. Nas décadas seguintes Bashir conseguir ser eleito e reeleito. Em seus mandatos, entretanto, a violação aos direitos humanos foi constante assim como o autoritarismo.
Concernente à guerra com MLPS, devido a pressões da comunidade internacional, o governo e a milícia no sul iniciaram negociações de paz em 2004 e selada com o Acordo de Paz Geral (APG) em 2005. Não obstante, as duas guerras civis (1955 – 1972/1983 – 2005) ocasionaram pelo menos dois milhões de mortes e quatro milhões de refugiados sudaneses.
O APG declarava a necessidade de a população local participar dos processos decisórios de forma democrática, o que acabou ocasionando o referendo de janeiro de 2011, cuja vontade populacional foi o de separação sul-norte. Estabelecendo assim a independência em 9 de julho de 2011 com a criação da República do Sudão do Sul. Entretanto, o Acordo fora incapaz de solucionar problemas de fronteira para quando a divisão acontecesse.
Após o referendo as tensões persistem, em especial, nas localidades sob cujas reservas naturais de óleo natural e petróleo se fazem presentes nas regiões limítrofes entre Sudão e Sudão do Sul. As províncias de Kordofan e do Nilo Azul são as mais afetadas. Ao sul de Kordofan está a região do Abyei, rica em petróleo e objeto de disputa há décadas.
Conforme o APG, a população dessa localidade teria a oportunidade de decidir seu destino em um segundo referendo, marcado inicialmente para acontecer concomitantemente ao referendo de separação dos dois países. Essa assertiva carrega pelo menos dois problemas: a delimitação da região jamais fora plenamente estabelecida e aceita por todos e como se não bastasse a incerteza das fronteiras, o referendo foi adiado.
Como resultado: a população do Sudão do Sul acusa o vizinho do norte de estar promovendo bombardeios nessas localidades. A população que recém conquistou suas bases territoriais está novamente fugindo para outras partes do Sudão do Sul assim como para a Etiópia. O Alto Comissariado nas Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) preocupa-se com a logística de acomodamento para o crescente número de sudaneses que deixam os dois estados fronteiriços diariamente.
O questionamento que se segue é o seguinte: deve a comunidade internacional intervir no Sudão? Alguns autores respondem afirmativamente, assegurando a necessidade de uma interferência externa. Segundo essa corrente, os atores externos possuem a obrigação de assistir às populações, quando essas são incapazes de proteger a si mesmas seja de sua própria população ou governo. Esse posicionamento é conhecido como Responsibility to Protect. Ou seja, os Estados possuem o dever moral de auxiliar países que não conseguem promover um bem básico a seus cidadãos: a segurança.
Essa suposta responsabilidade traz consigo alguns dilemas: Os Estados realmente intervêm por razões humanitárias ou conforme seus próprios interesses? A intervenção pode ser aplicada a todos ou é apenas um artifício utilizado pelas potências em detrimento dos países menos desenvolvidos? Quantas mortes são necessárias para que uma intervenção seja considerada primordial? Como fica o país depois que a operação de intervenção se retira de seu território?
Esses são apenas alguns questionamentos levantados pelo delicado tema. O fato é que o Sudão e seu novo vizinho do Sul possuem grandes tensões limítrofes a serem resolvidas e elas precisam ser solucionadas com ou sem ajuda internacional. Caso contrário um dos mais longos conflitos civis da história ainda não conhecerá um fim.
Gisele Passaura é acadêmica do 8º semestre do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
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