São as estratégias utilizadas pelos EUA e aliados as melhores para lidar com os atuais conflitos? Parte II
Mundão

São as estratégias utilizadas pelos EUA e aliados as melhores para lidar com os atuais conflitos? Parte II


Por Fernando Archetti*

O conceito de guerra híbrida demonstrou sua validade empírica no atual ambiente de segurança internacional, envolvendo uma combinação de novos atores (terroristas transnacionais, insurgências de caráter global, gangues criminosas, narcotraficantes, empresas privadas de segurança, piratas, grupos tribais/ regionais com recursos pós-modernos, mas estruturas e ideologias pré-modernas) com novas tecnologias (KILCULLEN, 2008), embora antigas ameaças e modos tradicionais de guerra não tenham desaparecido, apesar de não mais predominarem (VISACRO, 2009) ou não receberem o devido destaque ou cobertura pelas agências internacionais.

Novas formas de guerra incluem as já mencionadas guerrilhas transnacionais (em oposição às guerrilhas locais ‘’acidentais’’), enquanto entre as novas tecnologias podem-se mencionar os meios de comunicação, como a Internet.
Assim, coexistem, nesse ambiente híbrido, ameaças antigas e novas, combinando-se e utilizando-se de meios pós-modernos. Deve-se ressaltar que as guerras interestatais não acabaram, como demonstram o conflito na Geórgia em 2008, de Israel no Líbano em 2006, da coalizão Ocidental no Afeganistão e até mesmo da OTAN na Líbia, em 2011. O conceito do fim das guerras interestatais deve ser entendido apenas no contexto dos conflitos da ‘’guerra ao terror’’.
Para explicar algumas das principais características desse complexo ambiente de segurança, utilizar-se-á os quatro modelos explicativos propostos por KILCULLEN (2008): a tese da globalization backlash, o modelo da insurgência globalizada, a teoria da guerra civil islâmica e o modelo da guerra assimétrica.
O primeiro modelo, globalization backlash (espécie de resposta negativa da globalização), sugere que há um padrão que perpassa os conflitos atuais e que é uma resposta a um elemento-chave, a globalização, em que um tipo de backlash contra a globalização fornece aos conflitos seu princípio organizativo.
Isto é, partindo da premissa que a globalização não é uniforme em seus efeitos e que criou uma divisão entre os possuidores ou não de recursos, enquanto, por meio da comunicação global, esta  classe de despossuídos se  conscientizassem dessa situação, criando assim um clima de tensão. Além dos efeitos desiguais no plano econômico, a globalização também deu origem a respostas negativas, muitas vezes violentas, no plano cultural e político, contra a influência crescente da política e cultura Ocidental, das consequências negativas da globalização (e.g., desestabilização de sociedades tradicionais e de mercados nacionais). Segundo Barnett (2007), o mundo fica divido entre os países que estão efetivamente integrados no processo da globalização, países ‘’core’’, e os à margem desse processo, países ‘’gap’’. Para ele, os conflitos emergiriam da instabilidade dentro dos países ‘’gap’’.
Esse processo de globalização permite que seus adversários tenham acesso aos seus instrumentos. Contraditoriamente, seus opositores são alguns dos atores mais globalizados, que usam as ferramentas da globalização, assim como a proliferação de armas de baixo custo e grande poder letal ocasionada por esse processo, contra ela mesma. Além disso, essas ferramentas permitem que grupos geograficamente remotos conectem-se entre si, para ‘’juntar forças’’. Assim, áreas à margem do poder estatal, como as FATA no Paquistão passam a ter importância como refúgios de  insurgentes e pontos onde se iniciam ataques a outros locais.
O segundo modelo explicativo, a insurgência globalizada, de cunho político-estratégico, afirma que a guerra do terror é mais bem entendida como uma insurgência globalizada transnacional de larga escala, em que a Al-Q’aida e os outros grupos de ideologia takfiri, pensamento originário do wahabismo que legitima o assassinato de outros muçulmanos (proibido no Alcorão),com base na lei islâmica acerca da apostasia cuja pena prevista é a morte,ou seja,os takfiri procuram provar que determinado muçulmano abandonou a fé para assim legitimarem juridicamente a violência contra ele. O que ela busca liderar são insurgentes, que usam as estratégias padrão desse fenômeno: provocação, intimidação, prorrogação e exaustão, diferindo das insurgências tradicionais por terem objetivo muito mais amplo e operarem mundialmente, para alterar a ordem política no mundo muçulmano e a relação entre o mundo e a comunidade muçulmana (ummah).
A teoria da guerra civil no Islã tem um foco geopolítico e sugere que a turbulência no mundo islâmico e o ‘’transbordamento’’ dessa violência para a comunidade internacional através da insurgência globalizada e terrorismo, tem origem em uma guerra civil dentro do Islã. Nessa teoria, os grupos takfiri surgem como resposta à uma dinâmica dentro do mundo islâmico: governos corruptos e opressivos, relação disfuncional entre os sexos, limitando a capacidade humana dessas sociedades, déficit de democracia e liberdade de expressão, economia dependente de petróleo e incapaz de empregar uma massa crescentemente qualificada, porém alienada, de jovens homens e um sentimento geral de se estar sendo vitimado por um ‘’Ocidente’’ vagamente definido.
Por fim, tem-se a tese da guerra assimétrica, em que o foco é a análise a partir de um ponto de vista militar, ao invés de político. Segundo essa tese, basicamente, a lógica subjacente do terrorismo, da insurgência, conflitos internos e da ‘’guerra não-convencional’’ origina-se na enorme assimetria entre o poderio bélico e tecnológico dos EUA e do resto do mundo. Essa assimetria faz com que qualquer adversário racional dos EUA use meios não-convencionais para combatê-lo, já que nenhum país ou combinação de países é capaz de vencer os EUA em um conflito convencional. Daí as estratégias de propaganda e subversão, ataques terroristas, guerrilhas, armas de destruição em massa, dispositivos explosivos improvisados, tentativas de atrair as forças convencionais para conflitos prolongados em que há pouco ou nenhum ganho estratégico, correndo o apoio da opinião pública pela guerra.
Essas possíveis explicações do atual ambiente de segurança internacional, assim como outras - o choque de civilizações de Sammuel Huntington, a 4ª geração de guerra etc. -, são apenas explicações parciais e cada uma delas tem o mérito de explicar alguns aspectos desse ambiente e outros não, não sendo mutuamente exclusivas, nem melhores umas que as outras (KILCULLEN, 2008).
Na próxima parte desse ensaio, serão analisadas as estratégias que os EUA e os aliados têm empregado nessas situações no contexto da guerra global ao terror.





* Fernando Archetti é aluno do Terceiro Período da Graduação em Relações Internacionais do UNICURITIBA.



loading...

- Os Americanos E O 11 De Setembro: Quem Se Importa Com O Que Eles Pensam?
Por Geraldo NegroMaria Carolina NogueiraRassius Garcia Alunos do Prof. Marlus Forigona disciplina de Teoria Política, do  1º per. de Relações Internacionais . O 11 de setembro é um divisor de águas tanto na conduta norte americana em âmbito...

- São As Estratégias Utilizadas Pelos Eua E Aliados As Melhores Para Lidar Com Os Atuais Conflitos? Parte I
Por Fernando Archetti* Antes de responder a pergunta proposta para este ensaio, fazem-se necessárias algumas considerações sobre o atual ambiente de segurança. Para essa tarefa, o recorte temporal será o do atentado terrorista de 11 de setembro em...

- Apresentando O Conceito De Insurgência
Fernando Archetti A insurgência, segundo definição do Departamento de Defesa dos EUA, é um movimento organizado que tem por objetivo derrubar um governo constituído, por meio da subversão e do conflito armado (PETRAEUS; AMOS; SEWALL, 2007). Ao...

- As Dimensões Da Segurança
Jéssica Rayel              As ameaças que afetam a segurança internacional, atualmente, não são mais incipientes, como pode se pensar. Tais perigos aparecem estar mais difundidos do que...

- O Novo Mapa Do Pentágono
Fernando Archetti E agora, qual é o adversário dos EUA? Depois da URSS, quem? Essas são algumas perguntas que Thomas Barnett, analista do Departamento de Defesa estadunidense, coloca em seu livro "Novo Mapa do Pentágono"(Berkley Trade). Partindo da...



Mundão








.