Mundão
Pentágono mais verde: razões e consequências
Roberta Zandonai
As duas guerras empreendidas pelos EUA neste século, respectivamente a do Iraque de 2001 e a do Afeganistão de 2003, consumiram diariamente mais energia do que todos os conflitos registrados na história mundial. Ambas são sustentadas basicamente por dois combustíveis fósseis, o petróleo e o gás natural (segundo informações do Pentágono divulgadas no Washington Post, o consumo médio de combustível nas bases estrangeiras dos EUA era de 50 milhões de galões/ano antes dos conflitos, e de 500 milhões de galões/ano depois deles). No entanto, o abastecimento energético que coloca as bases de operações no Oriente Médio em funcionamento demanda um enorme projeto logístico-estratégico que chama a atenção no orçamento da guerra.
Todo o combustível utilizado pelos EUA nas guerras é importado a preço internacionalmente tabelado, mas chega ao seu destino final com um valor agregado que pode acrescer o preço inicial em até 100.000%, principalmente se estivermos falando do Afeganistão. Um simples galão de gás, por exemplo, é adquirido por cerda de US$ 1,00, mas pode custar entre US$ 20,00 e US$ 1000,00 ao Departamento de Defesa (DoD), de acordo com fontes oficiais. O motivo é que todo este produto sai da fronteira paquistanesa e deve ser transportado por meio de comboios com cerca de 50 a 70 caminhões, que percorrem as estradas mais perigosas do mundo, com direito de passagem adquirido mediante o pagamento de propinas aos senhores da guerra, além de movimentar um grande contingente de militares e de cidadãos locais. Apesar de todo o esforço, é comum que as milícias utilizem o próprio combustível inflamável para promover atentados. Isso quer dizer que, além de custar dinheiro, o combustível que abastece as operações estadunidenses no Iraque e no Afeganistão custa também muitas vidas (e muitas notícias negativas nos principais jornais em circulação no país e no mundo).
É por estas razões, e não por questões de governança global, que o DoD já começou a investir em pesquisas para introduzir fontes de energias renováveis nos campos de batalha. O objetivo é reduzir a dependência estadunidense do petróleo estrangeiro (que provêm, muitas vezes, de países instáveis e de confiabilidade duvidosa), poupar recursos, proteger vidas e apostar em uma vantagem estratégica futura.
Os estudos do Pentágono sobre a eficiência energética de combustíveis existem há algum tempo, o que já permite que diversos jatos e navios das forças armadas norte-americanas sejam alimentados com uma mistura de biocombustível e combustível fóssil comum. No entanto, no que tange ao abastecimento de toda a infra-estrutura militar das bases no Afeganistão, houve um aumento na pesquisa de diversas opções de fontes renováveis. A energia solar, por exemplo, no território quase desértico do país árabe, pode ser bastante eficiente. Alguns equipamentos, inclusive, já foram enviados para testes em bases afegãs, como é o caso das telecomunicações. O funcionamento de rádios e laptops abastecidos por energia solar diminui o risco de os equipamentos ficarem sem bateria durante uma operação, além de poupar energia não-renovável e aumentar a segurança em campo de batalha. Além disso, o uso de placas solares nas bases militares oferece, além de energia, zonas de sombra com temperaturas amenas, o que diminui o consumo para a climatização de ambientes. A região desértica do forte Irwin, em Calif, também é cogitada para a construção de uma fazenda de energia solar, como as existentes no sul da Espanha e na Alemanha. Ao longo de 2010, oficiais do exército já se reuniram com algumas empresas para analisar propostas de adaptações das tecnologias já existentes para o uso militar.
Outra opção em teste é a conversão de lixo em óleo com o uso de bactérias anaeróbias. Uma unidade móvel, pequena o bastante para caber em um reboque de 5 toneladas, foi testada no Iraque e inicialmente obteve sucesso em converter papel, plástico, restos de comidas e outros materiais em biocombustível capaz de alimentar um gerador de 60 killowatts. No entanto, o material não era suficientemente forte e o equipamento quebrou. Mas já há previsão de investimento na ordem de milhões de dólares para desenvolver um novo modelo mais resistente.
A formulação de estratégias visando ao futuro é outro ponto que impulsiona o DoD a investir em tecnologias verdes. Na concepção dos estrategistas estadunidenses, a utilização de energias renováveis pode significar uma vantagem para o país no campo de batalha, seja devido à independência relativa à variação no preço do petróleo, seja na redução dos custos totais dos conflitos, ou ainda pelo ganho de eficiência e agilidade.
Apesar de a história mostrar a irrelevância da mitigação da mudança climática para a agenda do Pentágono, e durante um longo período também para a agenda dos EUA, o Quadrennial Defense Review 2010 - estudo divulgado pelo DoD que analisa objetivos estratégicos e ameaças militares potenciais e descreve a doutrina militar dos EUA - aborda a questão com certa importância: o estudo considera que a alteração do regime climático global pode elevar o nível de instabilidade internacional e aumentar a freqüência dos conflitos. E, ainda que os EUA se considerem capazes de lidar com as conseqüências das alterações no clima, as forças armadas do país podem ser requisitadas a atuar externamente para garantir a segurança nacional e a estabilidade internacional.
Está claro que o objetivo do Departamento de Defesa dos EUA, ao investir em energias renováveis, é de caráter estritamente militar e estratégico. No entanto, o simples aumento de demanda por produtos deste setor industrial deve incentivar a pesquisa, ampliar a produção, e num futuro não muito distante, reduzir significativamente o custo de produtos com tecnologias limpas – não apenas para o uso militar, mas também para o uso civil. Partindo do princípio que a revolução das telecomunicações foi um reflexo direto do investimento em novas tecnologias realizado durante a Guerra Fria, o atual interesse do Pentágono pelo uso de energias renováveis deve movimentar muito deste mercado.
Roberta Zandonai é aluna do sétimo período de Relações Internacionais do UNICURITIBA.
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