Mundão
Participação cidadã e a melhoria da qualidade da gestão pública no Brasil
Entrevista concedida pelo Prof. Thiago Assunção para a Revista Perspectiva, da ISAE/FGV, em maio de 2013 (antes dos protestos que tomaram o país).
A participação do cidadão na sociedade e seu papel na Gestão Pública. O poder da educação e da cultura para a evolução social. O mestre e especialista em Direitos Humanos, Thiago Assunção, dá sua opinião sobre o cenário nacional e explica como podemos mudar a nossa realidade.
PERSPECTIVA: Professor, na sua opinião, qual é realidade da sociedade brasileira atualmente?
Thiago: O Brasil se encontra num momento de estabilidade econômica e democrática. Busca maior projeção no cenário internacional e vem recebendo cada vez mais atenção aos olhos do mundo. Começamos a atuar como líderes na América do Sul e entre os países chamados emergentes. A renda média aumentou e o nível de emprego não tem precedente. No entanto, do ponto de vista do cidadão, nota-se que o individualismo e a competitividade aumentaram muito. Competir até certa medida é bom, pois estimula o sujeito a querer fazer mais e melhor, até para melhorar sua condição social. Mas, como dizem as avós, “tudo o que é demais faz mal”. Vivemos um momento onde muitas pessoas se sentem insatisfeitas, seja por que não tem tempo suficiente para cuidar de si e aproveitar as coisas simples da vida, seja por que mesmo tendo conquistado uma situação financeira confortável, sentem que está faltando algo. Precisamos de mais cooperação e solidariedade. A coesão social passa por uma convivência mais equilibrada no dia-a-dia, com respeito e tolerância uns em relação aos outros. Ou seja, a melhora da qualidade de vida também passa por construirmos uma realidade socialmente justa no nosso entorno.
PERSPECTIVA: Conhecendo essa realidade, o que podemos fazer para melhorá-la?
Thiago: Nosso maior desafio agora é melhorar a qualidade do Estado, dos serviços públicos. E aqui estamos falando de gestão pública. É preciso que a população desperte para a necessidade de acompanhar mais de perto a atuação dos agentes públicos (e não só os políticos em época de eleição).
PERSPECTIVA: As pessoas perderam a confiança na política e isso tem prejudicado bastante no exercício da cidadania. O que fazer?
Thiago: Seria importante que o indivíduo percebesse o poder que possui, indiretamente, quando faz escolhas. O nosso estilo de vida e hábitos de consumo, por exemplo, têm um papel fundamental e um impacto muito maior do que imaginamos. É preciso alongar o olhar, deixando de pensar apenas na maximização dos ganhos imediatos. Quando compramos alimentos orgânicos, por exemplo, estamos não apenas cuidando da nossa saúde, mas também ajudando a preservar o meio ambiente e promovendo uma economia solidária. Ainda que se gaste um pouco mais para isso.
Quanto à participação cidadã, é preciso cobrar mais, levando sugestões e colaborando com o Poder Público. Existem muitos canais de comunicação hoje em dia que são subutilizados pelo cidadão para exigir melhorias e fiscalizar o Estado. Exemplos são as Ouvidorias e Corregedorias, órgãos presentes em quase todos os órgãos públicos, mas que são pouco conhecidos e aproveitados pela população. Ademais, existem hoje para praticamente todos os assuntos de responsabilidade do Poder Público, audiências públicas, conferências e conselhos, em âmbitos municipal, estadual e federal, onde são debatidos com a sociedade temas relevantes para a construção das ações, programas e projetos públicos. Acontece que esses espaços, na maioria das vezes, ou são ocupados sempre pelas mesmas pessoas (alguns interessados apenas em conseguir benesses pessoais ou exclusivamente para a sua categoria), ou por cidadãos que usam desses encontros para fazer reclamações pontuais a respeito de interesses particulares. Ou seja, poucos são os que vislumbram a possibilidade de discutir de forma mais ampla o bem estar da comunidade, por meio do questionamento crítico e proposição construtiva de soluções, o que acaba por desqualificar os debates nesses fóruns.
Por último, é preciso que nos apropriemos mais do espaço público. Temos que aprender a não ir, muitas vezes isolados dentro do carro, só do condomínio para a faculdade, o trabalho ou o shopping. Pesquisas comprovam que quanto mais gente nas ruas, menos perigosas elas se tornam. Curitiba tem dado os primeiros passos com a multiplicação de eventos públicos ao ar livre, como é o caso da “Virada Cultural”, o movimento “Ocupe o Passeio”, entre outros. Parcela da população tem cobrado ideias inovadoras, como o incentivo ao uso da bicicleta como meio de transporte. Temos que aprender a lutar por melhorias e isso se faz vivenciando as dificuldades, ao contrário daquela postura distante, que diz: “não dá para deixar o carro em casa enquanto não houver transporte público de qualidade”. É hora de assumirmos a cidade como espaço de convivência, onde se possa usufruir de cultura, arte e lazer. Já existem muitas cidades assim no mundo, e o resultado evidente é uma maior qualidade de vida e menor segregação social. É preciso encontrar e olhar nos olhos do outro, os “desconhecidos” com quem, no entanto, compartilhamos o mesmo espaço geográfico. Para tanto, é necessário ter iniciativa para tentar o novo, aproveitando as várias possibilidades que a cidade oferece, desde visitar o parque, o teatro ou o museu, até mudar o trajeto ou o meio de transporte de vez em quando. São pequenas atitudes que, até do ponto de vista psicológico, podem ser uma experiência prazerosa e libertadora.
PERSPECTIVA: E as ações do Estado?
Thiago: O Estado brasileiro precisa aprender a fazer melhor uso do dinheiro público. Isso passa pelo combate à corrupção, área que temos avançado, mas também por resolver alguns gargalos. Precisamos diminuir os cargos em comissão e contratar mais funcionários por concurso público, já que esses se prestam a selecionar de modo impessoal os candidatos mais preparados do ponto de vista técnico para as funções que irão desempenhar. É necessário também aumentar os quadros funcionais em atividades essenciais, onde a falta de pessoal é determinante na baixa qualidade ou lentidão dos serviços prestados. Estamos falando de contratar mais professores de ensino básico, médicos e enfermeiros, juízes, analistas e gestores públicos. O Poder Executivo, responsável direto pela prestação dos serviços públicos, deveria contar com um número maior de profissionais especializados em suas áreas de atuação (finanças, direito, comunicação, segurança, meio ambiente, engenharias, sociologia, etc.) e em compensação reduzir drasticamente o número de cargos em comissão, que são utilizados muitas vezes para acomodar interesses privados e eleitorais, com pessoas desqualificadas para as funções que são chamadas a desempenhar. Assessores, alguns especialistas e diretores até podem ser contratados dessa forma, em casos excepcionais, mas o que se observa no Brasil é o exagero e mau uso desta possibilidade, em todos os níveis. Por outro lado, seria preciso que o dinheiro fosse melhor aplicado, evitando-se desperdícios, o que pode ser feito por meio de um controle mais rígido das contas públicas. Deveríamos aprender a nos mobilizar, principalmente nas discussões quanto à formulação e execução do orçamento público. E nos manifestar, fazendo pressão nos casos de desvios e abusos. Avançamos um pouco neste sentido nos últimos anos, mas ainda falta muito.
PERSPECTIVA: O investimento em educação seria um meio de se provocar a evolução da sociedade? E a cultura?
Thiago: O que se percebe é que falta educação para o exercício da cidadania, ou seja, informação e principalmente consciência não apenas para participar, mas para saber participar de modo construtivo e civilizado. Já se sabe que não basta apenas aumentar o investimento em educação. A melhoria na qualidade do ensino se dá com mais recursos, mas também com a valorização do profissional da educação, com o apoio e participação ativa da sociedade e da família no ambiente escolar, com infraestrutura adequada e atividades de contra turno, enfim, depende de uma verdadeira mobilização de todos pela educação de qualidade. E de preferência, que a escola pública deixasse de ser desacreditada como é hoje, pois a separação que existe entre escolas particulares para quem pode pagar, e escolas públicas apenas para quem não pode, acaba gerando dois mundos que não se comunicam, perpetuando as desigualdades. Os currículos também teriam que ser revistos, já que temos ouvido muitos jovens reclamarem que o que aprendem na escola de modo geral não ajuda na vida prática. Seria mais interessante hoje aprender sobre educação financeira, como por exemplo, juros, inflação, não gastar mais do que ganha, aprender a poupar para ter tranquilidade no futuro, do que aprender a resolver equações matemáticas abstratas que hoje são solucionadas por computadores. No mesmo sentido se houvesse uma educação para a cidadania (noções da Constituição Federal, direitos e deveres enquanto cidadão), educação para a sustentabilidade e assim por diante. O fato é que todos somos obrigados (por lei inclusive) a terminar a escola, portanto é uma instituição onde passamos muito tempo de nossas vidas, e numa época em que o nosso caráter ainda está em formação. É por isso que nessa fase reside a oportunidade maior de construir uma geração mais consciente e atuante. Nesta fase está a origem da criminalidade e do uso abusivo de drogas, por exemplo, já que jovens sem perspectivas enveredam mais facilmente para a delinquência. No entanto, quando a pessoa já é adulta, não há outro modo de sensibilizá-la para tudo isso senão por meio da cultura. Por cultura, entendemos cinema, música, literatura, artes plásticas... mas também quadrinhos, grafites, danças, esportes, enfim, qualquer coisa que o sujeito goste de fazer e o tire da mera condição de consumidor. Atividades para que ele possa aproveitar seu tempo com qualidade, de modo a promover a autoeducação, o autoconhecimento, para que ele possa trabalhar a criatividade e a imaginação, o que o ajuda a sonhar, a recuperar a autoestima e a autoconfiança. Desse modo, passamos a ser sujeitos ativos do nosso próprio destino e não meros telespectadores.
Thiago Assunção, Mestre em Educação para a Paz: Cooperação Internacional, Direitos Humanos e Políticas da União Europeia, pela Universidade de Roma III, Especialista em Docência no Ensino Superior e graduado em Direito. Professor e Pesquisador de Direitos Humanos e Integração Regional no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba). Coordenador do Grupo de Pesquisa “Educação para a paz: ética, cidadania e direitos humanos” na mesma instituição. Concluiu o curso de Direito Internacional e Comparado dos Direitos Humanos, no Institut International des Droits de l’Homme (Estrasburgo, França).
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