OPINIÃO: O resultado final do #Brexit foi mexer com forças profundas
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OPINIÃO: O resultado final do #Brexit foi mexer com forças profundas




Gustavo Glodes Blum *


Após a ressaca do resultado final do referendo a respeito da saída do Reino Unido da União Europeia, é finalmente possível fazer algumas considerações a respeito de todo esse movimento político e social ocorrido naquele país. É possível afirmar, observando alguns dos resultados políticos e sociais, que a discussão do referendo, infelizmente, passou ao largo da decisão em ficar ou sair do processo de integração regional do Velho Continente. Infelizmente, os dois focos principais da discussão foram a presença dos imigrantes no país, e a própria realidade do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.

Em 2015, quando buscou se reeleger como Primeiro Ministro do Reino Unido, David Cameron teve de se comprometer com algumas alas mais eurocéticas do seu próprio partido, o Conservador, em rediscutir a relação que o país tinha com a Europa.

O tema sempre foi candente no país, já que a sua entrada nunca foi completa na Instituição. É memorável a campanha feita por Margaret Thatcher, quando Primeira Ministra, a respeito da relação com a Europa, e mesmo ela se tornou, posteriormente, crítica ao processo. Atualmente, porém, há resultados que podem não ser tão controláveis quanto se esperava, para o Reino Unido, para a União Europeia e para o Ocidente.

Dentro de casa, a discussão levantou uma série de questões que devem ser enfrentadas agora se não se deseja acabar com o país como um todo. Três regiões votaram majoritariamente pela permanência na União Europeia, mas foram vencidas pelos votos totais: a Irlanda do Norte, a cidade de Londres e a Escócia.

O recém-eleito prefeito de Londres, Sadiq Khan, e a Premiê Escocesa, Nicola Sturgeon, já se comunicaram e pretendem estar junto do governo central, liderado pelo Parlamento em Westminster, nas negociações para deixar a União Europeia. Já foi levantada, inclusive, a possibilidade de realizar um novo referendo pela independência da Escócia, que fracassou por pouco em 2014, e há rumores sobre reclamações em Londres chegando a pedir a sua independência (o que não parece muito factível, ao contrário do processo na Escócia).

O vice-premiê da Irlanda do Norte, membro do partido católico e nacionalista, afirmou, também, que era o momento de rever a separação da Irlanda, mas um oficial do governo em Dublin afirmou que havia que se aguardar para ver o que ocorreria antes de discutir a reunificação do país.

Essas reações apontam para uma das principais consequências deste referendo: a rediscussão do próprio Reino Unido. Há, atualmente, um movimento muito grande de questionamento a respeito da situação do país, sobretudo com relação à sobreposição da Inglaterra, mais populosa e mais ligada à economia de serviços, nas votações democráticas. As outras nações constituintes, que contam com Gales para acima das acima descritas, não se sentem propriamente representadas em votações que levam em conta uma soma específica de votos. Há uma necessidade de representação a ser discutida.

Outra discussão muito bem posicionadas foi a respeito dos direitos de voto. Os votos pela saída do país da União Europeia vieram, em sua maioria, de pessoas mais idosas e oriundas das regiões mais desindustrializadas do país. Porém, Cameron havia recusado um pedido antigo, que já constava no referendo independentista da Escócia de 2014, de permitir a jovens entre 16 e 18 anos para votarem. A grande maioria dos jovens no Reino Unido votou a favor da permanência. Há uma indicação de que, se o voto dos mais jovens fosse permitida, os resultados poderiam ser algo diferente. Porém, a juventude britânica se sentiu “roubada” do direito de decidir pelo seu próprio futuro.

Enquanto internamente a discussão ocorre ao redor de um déficit democrático interno e representação da participação dos diversos setores da sociedade britânica, os resultados para a União Europeia podem ser desastrosos não no caminho da integração econômica, mas na política cotidiana da sociedade. Já foram registrados vários casos de racismo claro e crimes de ódio contra imigrantes no Reino Unido nos últimos dias. O grupo Worrying Signs tem feito uma coleta de demonstrações dessa natureza que, para manter o estômago da leitora ou do leitor, não vou comentar neste momento. Recomento, porém, fortemente, o acesso para verificar o tipo de reação que está sendo tomada naquele país.

Esses atos não estão distantes daqueles em que uma repórter chutou refugiados desesperados para entrarem na Hungria, em 2015. Assim como dos discursos populistas de extrema direita que estão se fortalecendo na Europa como um todo, seja em partidos que ainda não disputam com força os governos nacionais, seja em forças que têm feito grandes movimentos políticos e sociais na Alemanha, na Áustria e na França. As relações políticas e sociais dentro da própria EU se tornarão cada vez mais difíceis, caso esse movimento se aprofunde.

Da mesma forma, a realização de referendos para saída da União Europeia não foi descartada por alguns países como Suécia e Dinamarca. Porém, vejo a possibilidade de outros países discutirem a sua saída: David Cameron havia organizado um bloco de parlamentares conservadores que queriam barrar a proposta federalista da Europa com governos conservadores do Leste Europeu. Existe uma grande possibilidade que países que se opuseram às propostas alemãs de recepção dos refugiados nos anos de 2013, 2014 e 2015, vejam uma Europa muito forte e, embora tenham se beneficiado ao entrar na EU, podem repensar a sua posição. Estariam neste grupo países como a Polônia, a Hungria e a Croácia.

Por fim, uma consequência maior e mais complexa surge para o Ocidente. Existe, atualmente, uma onda de conservadorismo populista que não tem melhor representante que o candidato à presidência dos Estados Unidos da América pelo partido Republicano, Donald Trump. Esta onda, porém, não está apenas localizada nos Estados Unidos, tendo seus devidos representantes na América Latina, na Austrália e na Nova Zelândia, e também na Europa.

Esse movimento parece ser um resultado da crise econômica do ano de 2008, que ainda não acabou. Seus contornos, porém, são sombrios: fazem retornar um nacionalismo excludente, são contra a circulação de pessoas ao redor do mundo, são a favor do reestabelecimento de fronteiras, acreditam no fim dos benefícios sociais, e promovem o neoliberalismo e a quebra do Estado. Tudo isso numa retórica de benefício para as classes médias e a população geral do país onde estão. Porém, os resultados podem ser desastrosos para a economia global.

Talvez seja o canto do cisne de um mundo ocidental e euro- ou anglo-cêntrico. Talvez seja o início de um novo sistema internacional em que o Ocidente perde relevância para outros atores internacionais. Não sabemos se isso é possível ou não. Porém, forças profundas estão sendo mexidas, e podem levar a mais mortes como a da parlamentar britânica Jo Cox, assassinada por um terrorista nacionalista britânico, assassinada com três tiros e múltiplas facadas no corpo enquanto ouvia seu assassino gritar “Grã-Bretanha Primeiro!”, em referência ao partido nacionalista Britain First. O sangue de muito mais pessoas pode estar nas mãos dessa mudança caso não prestemos atenção às suas consequências mais extremas.

Racismo, ataques a imigrantes, rediscussão da União deste Reino, onda conservadora e empoderamento de extremistas. Em perspectiva, talvez tenha sido esse o resultado final do #Brexit.


* Gustavo Glodes Blum é Internacionalista e Mestre em Geografia. Atualmente, leciona as disciplinas de Geografia Política e Política Internacional Contemporânea no curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA).



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