Embora se possa afirmar que alguma ruptura na Europa seja praticamente inevitável, é muito difícil dizer com precisão quando o pior da crise vai estourar. O mais razoável supor é que a Europa tem um longo e difícil período à frente, seja pela ruptura, seja pelo prolongamento da agonia e das incertezas em relação a estes países. A forma como a região vai atravessar este período representa um teste definitivo para o Euro e a integração econômica dos países.
Enquanto tudo isso acontece na Europa, nos Estados Unidos surgem indícios de uma recuperação econômica mais generalizada (embora ainda muito tímida), alimentando preocupações quanto a uma eventual pressão inflacionária no país. Acredito que é uma preocupação válida, mas um tanto prematura: a economia americana está apenas começando a ganhar musculatura, a tendência e as expectativas de inflação permanecem baixas e a taxa de desemprego segue muito elevada.
Não se trata, portanto, de uma situação que exija que o governo americano coloque o pé no freio; contudo, pode ser o momento para que ele tire o pé do acelerador. Em termos práticos, isto significa não jogar ainda mais dólares na economia. A perspectiva é que isto comece a acontecer em junho, com o fim do programa de compras de títulos pelo Federal Reserve – programa que não deve ser renovado. Um segundo passo seria reverter este programa, comprando títulos e tirando dólares da economia, e aumentar as taxas de juros básicas, atualmente próximas a 0. Isto só deve acontecer em algum momento de 2012. Mas enquanto este momento não chega, o mercado já começa a especular sobre o assunto. Isto deve levar a um movimento de valorização do dólar em relação às demais moedas – inclusive o real – no segundo semestre deste ano, invertendo a tendência que prevaleceu na maior parte dos últimos doze meses.
E o Brasil? Este contexto internacional tem importância para o mercado brasileiro por duas vertentes. A primeira é a financeira: a crise européia mantém o investidor estrangeiro (e o local) mais sensível ao risco, enquanto a provável mudança da postura da política monetária nos Estados Unidos tende a reduzir a disponibilidade de dólares para investimentos nos diversos mercados, inclusive o brasileiro. Isto sugere que os investidores internacionais tendem a ficar cada vez mais seletivos em relação aos ativos em que aplicam seus recursos.
A outra vertente é a estritamente econômica. As dificuldades européias reforçam as chances de que o crescimento global se consolide num ritmo menor do que o que estávamos observando antes de 2008, nos anos de formação da bolha mundial. Somada à perspectiva de que o dólar fique mais forte, esta tendência significa que, na prática, há poucos motivos para esperar uma disparada contínua e generalizada dos preços das commodities em dólar. Pelo contrário, a chance maior é de que haja até uma acomodação, depois da queda recente. E isto faz muita diferença quando se pensa no principal problema da economia brasileira no momento, que é a inflação.
É bem verdade que o problema da inflação é mais profundo, e não vai ser solucionado apenas com uma perda de fôlego nos preços das commodities, embora elas sejam certamente parte da história. O principal problema da inflação parece ser o comportamento teimoso dos preços de serviços, que sobem sem parar e a um ritmo muito superior à meta de inflação. Há vários fatores por trás desta alta: aumento do custo da mão de obra, alguma indexação dos preços, excesso de demanda. A dificuldade toda está em que os dois primeiros fatores são estruturais, e de difícil solução no curto prazo. Já o terceiro fator, que é o excesso de demanda, pode em tese ser influenciado por decisões de política econômica, principalmente através de variáveis como gastos públicos, salário mínimo, taxa de juros e política de crédito.
Do lado fiscal, o governo tem apresentado bons resultados, em parte por causa de uma receita com impostos mais alta que o esperado, mas em parte também porque colocou o pé no freio nos gastos públicos – e a decisão de não dar aumento real para o salário mínimo neste ano é um exemplo disto. Do lado monetário, o governo está tentando uma estratégia mais gradual, subindo pouco a pouco os juros e tentando controlar os excessos na concessão de crédito através das chamadas medidas macroprudenciais – dentre elas, o aumento do pagamento mínimo do cartão de crédito e o desincentivo à concessão de empréstimos pessoais de prazo muito longo.
Por que a cautela? Porque é difícil saber com certeza qual será o efeito das medidas macroprudenciais, já que algumas delas nunca foram tomadas antes, e também porque o efeito dos juros sobre a atividade econômica e a inflação pode ter se intensificado agora que o crédito se expandiu tanto. O governo e o BC parecem estar com medo de exagerar na dose.
O problema é que tanta cautela está sendo interpretada por parte do mercado como um sinal de tolerância com a inflação, e isto está fazendo com que as expectativas de inflação disparem, quase entrando num processo de profecia auto-realizável. O mais provável é que o BC pare de aumentar os juros assim que os números de inflação mostrarem uma melhora mais sustentada, o que deve acontecer entre julho e agosto. Mas dificilmente o BC conseguirá vencer, no curto prazo, a batalha das expectativas com o mercado – o que significa que as expectativas de inflação e as preocupações com os impactos sobre os custos das empresas podem perdurar por mais algum tempo.
Enquanto isto, as perspectivas para a economia brasileira continuam a refletir um mix de coisas boas e outras não tão animadoras. Do lado positivo, a substancial melhora no perfil da dívida pública e da dívida externa continua rendendo frutos: recentemente tivemos o anúncio de que mais uma agência de rating considera rever a classificação de risco do Brasil para melhor. Esta melhora vem se refletindo em uma contínua redução dos juros pagos pelas emissões brasileiras, públicas e privadas, no exterior.
Além disto, sem perspectiva de crises à frente, a economia brasileira tem tudo para seguir num ritmo de crescimento bom, embora não tão exuberante como nos anos de formação da bolha mundial. Espera-se que o Brasil cresça de 4 a 4,5% ao ano neste e nos próximos anos.
Do lado menos animador, temos ainda alguns desafios importantes para garantir e melhorar o desempenho da economia brasileira no longo prazo. O mais urgente diz respeito aos investimentos em infraestrutura. O grande atraso nos que estão relacionados à Copa e Olimpíada esconde o atraso maior ainda em investimentos estritamente produtivos, como portos e estradas para escoar a produção. Por ora, há interesse mas ainda há alguma insegurança dos investidores internacionais em atuar como sócios destes investimentos. Para mudar este quadro, o governo precisa sinalizar com uma regulação mais pró-mercado.
Outro desafio importante continua sendo o da educação, que tem impacto direto na produtividade e na mobilidade do trabalhador brasileiro. Boa parte do problema atual de falta de mão-de-obra especializada poderia ser amenizada com uma educação que preparasse o trabalhador inclusive para mudar de área de atuação. Há ainda a necessidade de reformas fiscais, que reduzam o peso da máquina pública e aumentem a competitividade das empresas brasileiras, além de afastar o risco de novas crises fiscais nos anos à frente.
Contudo, nenhum destes problemas tem grande peso no curto prazo, e nenhum deles deverá ver solução antes de se tornarem mais urgentes.
Adriana Beltrão Dupita é mestre em economia pela London School of Economics e professora convidada da pós-graduação da FGV-SP.
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