Mundão
Inside Job: apesar de moribunda, Hollywood ainda respira.
Por Carlos-Magno Esteves VasconcellosPor décadas o sistema financeiro americano foi estável e seguro, mas aí algo mudou... a indústria financeira virou-se de costas para a sociedade. Corrompeu nosso sistema político e mergulhou a economia global na crise.
O documentário Inside Job (Trabalho Interno), do norte-americano Charles H. Ferguson, ganhador do Oscar desta categoria em 2011, é uma tentativa bem sucedida de explicar a dinâmica da crise financeira que se iniciou em 2008 nos Estados Unidos, e se propagou, na seqüência, para o resto do mundo, não poupando sequer a pequena economia da Islândia. O filme consegue ser didático ao lidar com temática espinhosa e permite que leigos em economia entendam a natureza kamikaze do capitalismo financeiro hodierno.
O filme aborda de modo apurado a especulação financeira que tomou conta da economia norte-americana e mundial a partir da década de 1980, após a desregulamentação econômica e financeira internacional idealizada por grandes financistas de Wall Street e liderada por Ronald Reagan (presidente dos Estados Unidos de 1981 a 1989) e outros laquais do capital, e coloca-a como causa imediata da crise iniciada em 2008. A argumentação é construída à base de entrevistas e depoimentos de ilustres participantes da farra especulativa que custou trilhões de dólares para poupadores do mundo inteiro.
Entre os muitos depoimentos, destacam-se as declarações esclarecidas do economista chefe do Citigroup, Sr. Willem Buiter: “Porque temos grandes Bancos? Pois os Bancos adoram poder de monopólio. Porque os Bancos gostam de poder global. Porque os Bancos sabem que quando são muito grandes eles serão protegidos”.
O filme tem ainda outros méritos, ao mostrar o íntimo envolvimento dos bancos e das finanças (poder econômico) com o poder político e o poder jurídico, e revelar o estado de degradação moral ao qual são levados os homens que se submetem aos ditames do capital.
No entanto, e sem nenhum interesse em comprometer o brilhantismo da obra de Ferguson, o filme deixa de explicar algumas questões decisivas em relação a crise financeira de 2008:
1º - esta crise representa apenas a dimensão financeira de uma crise muito maior que é a crise estrutural global do capitalismo que se iniciou na década de 1970, com a degringolada das taxas de lucro do setor produtivo da economia e a ruptura do sistema monetário internacional que havia sido fundado em Bretton Woods logo após a 2ª Guerra Mundial;
2º - esta crise não tem nada a ver com uma mudança de rumo equivocada por parte da burguesia internacional, mas faz parte do movimento de expansão (acumulação) irrefreável do capital em escala mundial – é uma lei econômica do capitalismo;
3º - o sistema financeiro desregulamentado que foi construído a partir da década de 1980 é uma necessidade histórica do capitalismo e, por isso, é irreformável; isto significa que, se quisermos verdadeiramente impedir que novas catástrofes financeiras como a de 2008 se repitam, devemos nos preocupar não com o atual sistema financeiro internacional, mas com o modo de produção capitalista que o gerou e sustenta.
Dito isso, penso que aqueles que ainda não assistiram ao filme, façam-no assim que puder. Apesar de moribunda, Hollywood ainda respira.
Carlos-Magno Esteves Vasconcellos é doutor em Economia pela Escola Superior de Economia de Varsóvia e professor titular da disciplina de Economia Política Internacional do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
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