Gaddafi, Strauss-Kahn e Saddam: o que eles têm em comum?
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Gaddafi, Strauss-Kahn e Saddam: o que eles têm em comum?


Ian Rafael

A crise de 2008 trouxe à tona mais do que discussões sobre déficits orçamentários, austeridade e pacotes de socorro aos países mais necessitados, muitos deles no chamado “primeiro mundo”. Ela tornou mais forte a crítica ao dólar como moeda de reserva internacional e de base para a fixação de commodities. A crise valorizou as moedas dos países em desenvolvimento causando dificuldades na exportação desses países e pressionando a inflação, ou seja, uma causa não-direta da crise. Na reunião do G-20 na Coreia do Sul em novembro de 2010, Guido Mantega, ministro da Fazenda, defendeu a criação de uma cesta de moedas que desse lugar ao dólar como divisa-referência nas negociações.
Tal cesta já existe e vinha sendo fomentada pelo ex-presidente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, como um possível substituto ao dólar. O SDR, Special Drawing Rights na sigla em inglês, é: “um ativo de reserva internacional criada pelo FMI em 1969 para completar as reservas dos seus países membros oficiais. Seu valor é baseado em uma cesta de quatro principais moedas internacionais, e SDR podem ser trocados por moedas livremente utilizáveis.”[1]
Essas quatro moedas são: o dólar, o euro, a libra britânica e o iene e elas compõem de forma distinta a SDR, de maneira a representar a utilização em escala global de cada uma delas. O que Strauss-Kahn estava fazendo era converter dólares em SDRs, sendo que o progresso realizado desde 2007, quando ele assumiu a presidência, foi de 6.0 bilhões SDRs em dezembro de 2007 para 65.5 bilhões SDRs em maio desse ano. Ainda mais, o Novo Acordo de Empréstimos, de primeiro de abril aumentou os recursos para 269 bilhões, quando o valor em 31 de março chegava na marca de 120 bilhões, segundo a Reuters[2].
A vontade de fazer o FMI se expandir e ganhar corpo partiu para outras atitudes concretas. O FMI, em 2009, emitiu títulos de SDR pela primeira vez na sua história[3], diminuindo a dependência dos bancos centrais dos principais países frente ao Tesouro norte-americano. A China garantiu cerca de 50 bilhões de dólares, o Brasil 10 bilhões. Outro passo importante na estratégia foi propor que ativos como petróleo e ouro começassem a ser cotados e negociados com base nas SDRs. A estabilidade do sistema monetário internacional poderia ser alcançada pelas SDR devido a volatilidade menos acentuada que essa divisa tem em relação ao dólar, que flutua determinado pelos desígnios da política norte-americana.
Obviamente não é prudente “colocar a mão no fogo” por Strauss-Kahn, nas acusações de assédio sexual que o levaram a cadeia, ainda mais depois de provas de DNA terem sido achadas na roupa da camareira. Entretanto vozes das teorias da conspiração afirmam que o francês teria sido vítima do lobby do dólar, ao tomar as medidas supracitadas, arrefecendo o domínio do dólar[4]. A mensagem seria bem clara, não mexer com o dólar. Interessante notar que o afastamento de Strauss-Kahn pode também ter um efeito catalisador sobre a decadência do dólar. O que comprova isso é a inclusão de nomes provenientes de países emergentes para a sucessão no cargo de presidente.
Passando adiante na lista de nomes do título, voltando pouco no tempo, podemos citar Muammar al-Gaddafi, líder líbio que vê seu país atacado por forças da OTAN desde abril. As causas da guerra são vagas e pouco explicativas. O ponto principal para lançar a ofensiva é a hostilidade que o general Gaddafi usou para dispersar manifestantes quando a Primavera Árabe chegou ao seu país. No entanto é visível a dificuldade em manter esse argumento quando no Bahrein e Síria a repressão é tão ou mais violenta.
Novamente, a questão aqui pode ser o dólar como moeda internacional. Segundo John Perkins, a questão da Líbia não é sobre petróleo e sim sobre moeda e empréstimos[5].  Em seu artigo, Perkins lembra que Gaddafi reuniu-se com membros de países africanos e muçulmanos para estabelecer uma nova moeda para suas transações: o dinar de ouro. Essa nova moeda seria a única forma de estabelecer comércio com países que aceitassem o dinar como seu dinheiro e câmbio. Ou seja, eles iriam vender petróleo e outros recursos para o resto do mundo apenas por dinares de ouro. Alex Newman escreveu no New American que durante o ano passado vários países árabes e a maioria dos países africanos aprovaram a ideia, que foi vista negativamente por EUA e União Europeia. Sarkozy chegou a afirmar que Gaddafi poderia colocar abaixo o sistema econômico mundial[6].
É notável que uma dos primeiros anúncios dos rebeldes de Benghazi referia-se a “designação do Banco Central de Benghazi como autoridade monetária competente em políticas monetárias para a Líbia”. Declaração essa que tira o poder do Banco Central da Líbia, 100% estatal. A Líbia criava seu próprio dinheiro, o dinar líbio, com seus próprios recursos. E o Banco Central da Líbia não era membro do Banco de Compensações Internacionais (BIS na sigla em inglês), o que o livrava da regulamentação internacional[7].
O caso final remonta à Guerra do Iraque, que iniciou em março de 2003 com a invasão norte-americana ao país numa guerra ao terror que não terminou até agora e nem vai terminar tão cedo. A causa da guerra também foi muito debatida à época, mas assim como na Líbia, o fator determinante pode ter sido também uma mudança de política econômica de Saddam Hussein em setembro de 2000[8], que decidiu não aceitar mais dólares nas suas vendas de petróleo, trocando-o por euros[9]. Em junho de 2003, as vendas já haviam sido novamente convertidas para dólar, quando Saddam já não estava mais no poder, após ter sido derrotado pelas forças norte-americanas. Antes da invasão, alertas na forma de sanções foram aplicadas, mas a decisão já estava chegando até a OPEP o que culminou na ofensiva[10]. Medida idêntica adotou Ahmadinejad, presidente iraniano, em setembro de 2009, em mais uma de suas sublevações contra os EUA.
A conclusão que se tira dessas ações individuais é de insatisfação com o sistema, a hegemonia americana e o “privilégio exorbitante” - nas palavras de Barry Eichengreen[11]. Apesar de apontar a decadência norte-americana ser um exagero, é notável que o sistema econômico mundial  pode estar passando por um momento crucial assinalando para reformas. De um lado BRICS e ações dispersas e de outro a superpotência fazendo seu máximo a fim de manter sua posição. O fim disso pode significar um mundo mais seguro economicamente apesar do esforço ainda estar no começo e sem um plano concreto.

Ian Rafael é aluno do 3° período do Curso de Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba.


[1] http://www.imf.org/external/np/exr/facts/sdr.HTM
[2]    http://in.reuters.com/article/2011/05/17/idINIndia-57083920110517
[3]    http://www.bloomberg.com/apps/news?pid=newsarchive&sid=amDBHW9pdG28
[4]    http://www.youtube.com/watch?v=oSV27b_87nQ, http://www.globalresearch.ca/index.php?context=viewArticle&code=WHI20110519&articleId=24867 e http://curiouscapitalist.blogs.time.com/2011/05/17/will-strauss-khans-fall-lead-to-the-dollars-demise/
[5]    http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17762
[6]    http://vikno.eu/eng/politics/politics/the-deacon-gold-dinar-and-west-aggression.html
[7]    http://blogln.ning.com/forum/topics/a-apressada-demonizacao-de
[8]    http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,998512,00.html
[9]    http://www.rferl.org/content/article/1095057.html
[10]  http://rt.com/news/economy-oil-gold-libya/
[11]  http://mundorama.net/2011/04/27/a-reuniao-dos-brics-e-sua-posicao-favoravel-ao-fim-do-%E2%80%9Cprivilegio-exorbitante%E2%80%9D-norte-americano-por-rodrigo-fagundes-cezar/

           




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