Ditaduras e crescimento econômico
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Ditaduras e crescimento econômico



Luciana Yeung


     Foto: Arquivo Nacional/Correio da Manhã

De tempos em tempos, ouve-se gente defendendo os regimes ditatoriais, pois eles seriam mais propícios a um país que quer sair de um estado de sub-desenvolvimento para o de desenvolvimento. Estas pessoas argumentam que a ordem, a disciplina e o planejamento estratégico de políticas econômicas – cruciais para se ter o “empurrão para a frente” – seriam mais garantidos, senão somente garantidos, através de regimes “fortes” e centralizadores.
Parece que há vários exemplos comprovando este argumento: o “milagre econômico” brasileiro da década de 1970 somente teria ocorrido graças a ditadura militar; o exemplo clássico dos quatro “tigres asiáticos” (na verdade de três, pois Hong Kong não foi submetido a uma ditadura) e até mesmo do Japão – que foram os casos mais bem-sucedidos de rápida industrialização do século 20 – parece indicar que não há como crescer sem um estado forte, autoritário e não-democrático. Finalmente, escancarando na frente de nossos olhos estaria o caso da China de hoje: tão espetacular quanto seu crescimento econômico parece ser a capacidade de o Estado Chinês controlar o que fazem, dizem, escrevem ou pensam sua população.

Entretanto, toda essa estória é furada. Pode-se dizer que os países mencionados acima, e principalmente a China, conseguiram crescer a despeito de suas ditaduras. Vale lembrar que Japão, Coréia do Sul e Taiwan apressaram-se a democratizar seus regimes políticos tão logo alcançaram um certo grau de desenvolvimento econômico (o terceiro “tigre asiático”, Cingapura, é um caso à parte porque é uma cidade-estado). A sabedoria política talvez tenha sussurrado àqueles governantes asiáticos um fato: a falta de democracia não convive bem com a opulência econômica.
Nos casos em que a opulência veio primeiro, a democracia teve logo que ser perseguida. Mas os verdadeiros casos de desenvolvimento industrial foram alcançados em nações que já haviam garantido a democracia, quando já se tinha alcançado um avançado grau de civilidade social, cultural e política: a Grã-Bretanha, a França, os Estados Unidos e até mesmo nosso vizinho Chile, entre outros. Somente em regimes democráticos o crescimento econômico se traduz em melhoria no nível de bem-estar de toda a população.
Regimes autoritários, quando conseguem crescer, necessariamente acabam privilegiando poucos – normalmente aqueles ligados ao poder, político e/ou econômico. Isso foi exatamente o que aconteceu durante o “milagre econômico”: maior crescimento, porém, maior concentração e desigualdade de renda (sem contar na “bomba” econômica que explodiu nos anos 1980 como conseqüência daquele falso milagre). Por fim, temos os casos extremos de ditadura no mundo atual. Se regimes autoritários fossem realmente positivos para o desenvolvimento econômico, então Cuba, Coréia do Norte e Venezuela deveriam ser países com altíssimas taxas crescimento.
Na verdade, a contradição entre ditadura e crescimento é atualmente a grande dor de cabeça dos governantes da China. O Estado Chinês sabe muito bem que não conseguirá reprimir para sempre os anseios democráticos da população. Parece uma bomba-relógio: quanto mais cresce a economia e quanto mais a riqueza vai atingindo parcelas significativas da população (ela ainda é muito concentrada), mais fortes e incontroláveis vão se tornando as demandas populares por democracia. É uma questão de tempo.
E as supostas “fraquezas” da democracia: alternância do poder, a necessidade de agradar o eleitor com medidas demagógicas, etc.? Hoje em dia não há muito mais dúvidas: para que um país cresça consistentemente é preciso que a população seja educada e bem-informada, ou tenha aquilo que o cientista político norte-americano Mancur Olson chama de “capital humano cívico”. Um país que tenha capital humano cívico alto saberá demandar de seus políticos regras claras e compromissos de longo prazo para a execução de políticas que aumentem o bem-estar social, independente de quem esteja no poder. A alternância de poder não quer dizer, necessariamente, a inexistência de políticas consistentes e de projetos nacionais estratégicos. Os políticos poderiam ser destituídos e não reeleitos justamente porque não prosseguiram com as políticas inicialmente prometidas ou implementadas.
Todas as estórias parecem sempre acabar na mesma conclusão... Na verdade, capital humano cívico é muito mais do que educação pura e simplesmente... Ainda um longo caminho a seguir para nós, brasileiros...
PS: O regime político chinês apresenta algumas características aparentemente contraditórias. É sabido que existe uma certa democracia política nos governos locais (municipais), onde existem até mesmo eleições diretas. Também contra o que se diz comumente, a propriedade privada é fortemente garantida em algumas regiões do país. 

“Ditadura e crescimento” foi publicado blog "Mudanças Abruptas" (mudancasabruptas.com.br) em 18/10/2010.


Luciana Yeung é Doutora em Economia pela Escola de Economia de São Paulo da FGV-SP e professora de Economia do Insper Instituto de Ensino e Pesquisa. 



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