Mundão
DIPLOMACIA NOS DISCURSOS DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS (II)
DIPLOMACIA NOS DISCURSOS DO PRESIDENTE JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS
(II)
Por: Belarmino Van-Dúnem*
No Primeiro artigo sobre está matéria, terminei afirmando que existe uma evolução e adaptação à conjuntura nos discursos sobre diplomacia proferidos pelo Presidente da República José Eduardo dos Santos. Esta realidade pode ser constatada nos discursos feitos pelo Presidente de 1992 à 2004. Neste período, Angola viveu os seus primeiros anos de paz efectiva, num curto período e, os anos de conflito de alta intensidade nunca antes vividos pelo Povo angolano.
Ao contrário do que poderia ser, o Presidente José Eduardo dos Santos usou a diplomacia como instrumento para a busca da paz, na tomada de posse de novos membros do governo, nos conselhos consultivos e nas reuniões metodológicas do MIREX, nos cumprimentos do corpo diplomático acreditado em Angola ou em mensagens de fim de ano dificilmente encontramos o termo “guerra” nos seus discursos. Em vez disso, de forma repetida, existe a insistência de que “a diplomacia angolana deve se afirmar como instrumento de luta pela paz, igualdade e desenvolvimento económico e social dos povos, contra a injustiça e a ingerência nos assuntos internos de outros Estados soberanos” (Luanda, 25/08/1994: 131pp).
Na verdade, a questão da salvaguarda da soberania dos Estados era uma preocupação devido ao recrudescer do conflito interno em Angola que tinha o envolvimento de Estados que fazem fronteira com o nosso país. Sobre este assunto, no mesmo discurso, o Presidente salientava: “Na realidade, a ingerência externa nos seus assuntos continua a ser um dos maiores problemas de Angola…Trata-se de uma ingerência nefasta e inaceitável, que é, a todos os títulos, vestígio de uma ordem mundial caduca, cuja eliminação deveria ser por isso acelerada”. Nesta conjuntura, em que se reconhece o envolvimento de terceiros no conflito angolano, era de esperar que o discurso do Presidente, José Eduardo dos Santos, fosse mais belicoso, mas encontramos de novo as qualidade de diplomata e do uso adequado da diplomacia: “É nesse mundo em mudança que a nossa diplomacia vai desenvolver a sua acção e assumir-se como guarda avançada da defesa dos interesses nacionais junto de outros Estados e Nações e das instituições regionais e internacionais”.
Se até o final da década de 80, o Presidente reconhecia as debilidades das missões diplomáticas nacionais, em 1994 existe o reconhecimento do trabalho que o MIREX vem fazendo fora do país: “O MIREX tem procurado cumprir na medida do possível as suas atribuições e alguns dos nossos diplomatas têm feito um esforço significativo para representar condignamente e defender os seus interesses…” Nos anos 90, a conjuntura internacional passou da guerra-fria para um mundo unipolar, onde o multilateralismo parecia o caminho inevitável para as relações internacionais. Portanto, houve a preocupação de ajustar as estruturas do MIREX: Convém por essa razão proceder à descentralização de competências para áreas geopolíticas, para que estas cumpram o seu verdadeiro papel na definição de politicas e orientações para os órgãos executivos externos de si dependentes. Neste quadro, é de sublinhar que a despartidarização dos princípios que norteiam a politica externa e a diplomacia tem vindo a ser aplicada no respeito pelas novas regras de convivência democrática e multipartidária vigentes no país. Nesta mensagem, pode-se constatar a preocupação de ajustar a diplomacia angolana com a nova conjuntura nacional e internacional, nesse sentido não existe atropelos aos cânones diplomáticos porque apesar do país viver, na época, em guerra, o discurso de paz, diálogo e acção para fazer face aos problemas que se apresentavam está sempre patente.
No ano de 2002, o Presidente alertava: “As nossas missões diplomáticas devem dar a conhecer a real situação que o país vive, a fim de que não se façam deturpações nem quaisquer aproveitamentos de ordem política, que visem aviltar a imagem do Governo de Angola, que tudo tem feito para minorar o sofrimento das populações”. Se nos lembrarmos que as finalidades da política externa do Estado podem resumir-se à cinco, segurança, fim económico, influência política, influência cultural e a criação de imagem, iremos constatar que nos discursos aqui analisados existe a preocupação de abranger todas essas áreas fundamentais para a existência de qualquer Estado.
Nos princípios da década de 2000, Angola predispôs-se a enfrentar novos desafios ao nível da sua politica externa, com este objectivo, na Abertura da Reunião Metodológica do MIREX, Luanda, 10/06/2002, o Presidente dizia: “…Estamos particularmente interessados em contribuir para a resolução definitiva dos conflitos internos dos países que fazem fronteira com a República de Angola, pelos reflexos que os mesmos podem ter no processo de paz e na estabilidade do país. Só em condições de paz poderão os países africanos superar os inúmeros desafios nos domínios económicos, social, cultural e politico, a fim de enveredarem pela via do crescimento e do desenvolvimento sustentado, que possa garantir o combate à pobreza e a superação do atraso cientifico e técnico que os separa dos países desenvolvidos”. Neste mesmo discurso, anunciava também a candidatura de Angola a membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU para o período referente a 2003/2004, numa altura em que Angola iria assumir a Presidência rotativa da SADC e ter uma maior proactividade ao nível da Lusofonia, facto que veio a ser efectivado.
Segundo, o Presidente, os objectivos passavam por “ampliar a contribuição de Angola, através da mobilização da comunidade internacional para às tarefas internas imediatas e para a estabilização e segurança na nossa região. O apoio à solução definitiva dos conflitos armados na República do Congo-Brazzaville, RDC e na Região do Grandes Lagos”. Realçava ainda a situação privilegiada de Angola do ponto de vista geoestratégico, “ Angola tem uma posição geográfica privilegiada no corredor que liga a África Centra à África Austral. O Rio Zaire e o Caminho-de-ferro de Benguela ligam-nos, respectivamente, à África Central e ao Leste de África”. Portanto, estavam lançadas as bases para o novo posicionamento de Angola na arena internacional, no espaço de 5 anos, o país passou de solicitante de apoio para a paz interna e cooperação para coadjuvante necessário para a resolução de conflitos, pacificação e consolidação da paz, para alem de bom parceiro de cooperação e passando de país de Emigração para um Estado de Imigração.
Neste novo papel que Angola vem desempenhando, “Existem valores universais que a República de Angola, enquanto Estado moderno e amante da paz e do progresso, respeita e pretende fazer respeitar, de modo a poder marchar a médio prazo na mesma cadência dos outros países mais desenvolvidos. Os valores referentes à democracia, ao respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, à transparência e a boa governação devem de facto nortear hoje as politicas de qualquer governo e, sobretudo, daqueles que pretendem vencer o atraso económico, técnico-científico, a e a fome” (José Eduardo dos Santos 2002:132-133). Estas palavras do Presidente resumem os novos desafios que Angola enfrente hodiernamente, a sistematização da sua politica externa e a necessidade de um guião que possa orientar a análise e o debate sobre a Diplomacia angolana ao longo dos tempos. O estudo dos discursos dos dirigentes e as acções dos Estados constituem o primeiro passo. Os discursos do Presidente, José Eduardo dos Santos, enquanto Chefe do Estado e do Governo e, responsável máximo pela politica externa do Estado, constituem a principal fonte de estudo.
Fonte: José Eduardo dos Santos e os Desafios do Seu Tempo – Palavras de Um Estadista, (2004), Vol. II, ed. Maianga, Luanda, 129-134pp.
*Analista Político
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