Dilma e Obama: o encontro dos excluídos da História
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Dilma e Obama: o encontro dos excluídos da História


Etiane Caloy



Dilma e Obama representam um encontro dos excluídos da História: a mulher e o negro. Para além da importância comercial e diplomática, o encontro destes dois presidentes possui um caráter histórico extremamente relevante e que nos leva a refletir sobre o passado e o presente do Brasil e dos Estados Unidos no que diz respeito aos avanços nos Direitos das Mulheres e dos Negros.  No Brasil, nas décadas de 50 e 60, as mulheres se envolvem em movimentos de protesto ao alto custo de vida. Na década de 70 o movimento, inclusive com a participação das feministas, busca a redemocratização do país, melhores condições de vida e no mundo do trabalho.


O ano de 1975 comemora o Ano Internacional da Mulher e realiza-se a I Conferência Mundial da Mulher, promovida pela ONU. Ainda nas décadas de 70 e 80 o movimento das mulheres na sociedade brasileira consegue ampliar sua inserção tornando-se presente em partidos políticos, sindicatos e associações comunitárias; a Constituição Federal de 1988 avança neste tema. Como resultado destas reivindicações sociais temos a criação dos Conselhos dos Direitos da Mulher, das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, de programas voltados para a saúde feminina e atendimento de vítimas de violência sexual e doméstica. A década de 90 continua avançando sobre esta temática tendo em vista o crescimento de ONG´s e redes sociais articuladas que enfatizam as condições da mulher no mercado de trabalho, a participação política, os direitos humanos das mulheres e o combate à violência (principalmente doméstica e familiar), que sofre um particular avanço com a Lei Maria da Penha sancionada pelo presidente Lula em 07 de agosto de 2006.
Se no Brasil a segunda metade do século XX é de importância histórica e social para as mulheres, nos EUA tem lugar a busca pelos direitos civis dos negros. A opressão ao negro na sociedade estadunidense remonta ao início do século XVII quando os primeiros negros foram trazidos da África para a América na condição de escravos. Muito tempo se passou e vários foram os episódios de violência constante contra os negros, notadamente após o fim da Guerra de Secessão (1861-1895) e o fim da escravidão no mesmo ano: linchamentos, estupros, enforcamentos, morte na fogueira (não sem antes serem espancados com socos e pauladas) e a formação de sociedades organizadas, como a Ku Klux Klan e os Cavaleiros da Camélia Branca, com a finalidade de combater a liberdade do negro de possuir terras, de votar, enfim, de participar de uma sociedade que se dizia democrática. De acordo com Alexis de Tocqueville “o preconceito que repele os negros parece crescer à proporção que os negros deixam de ser escravos e a desigualdade grava-se nos costumes à medida que se apagam das leis”, por isso, apesar da derrota dos estados sulistas na Guerra de Secessão, estes continuaram a elaborar leis de segregação racial, como a Lei Jim Crow, que proibia os negros de usarem os mesmos locais públicos que os brancos como trens, ônibus, escolas, clubes, restaurantes, mesmo bebedouro etc. Estas leis somente foram abolidas em 1964, com o Ato dos Direitos Civis. Ainda no século XIX outros fatores agravaram a situação do negro na sociedade estadunidense como as Teorias Raciais que afirmavam a superioridade do branco, a vitória do mais apto e a conseqüente dedução de que o negro era ou havia sido escravo porque era biologicamente inferior. Em 1896 a segregação foi legitimada pela Suprema Corte no caso Plessy X Ferguson; foi acordado que poderia haver separação entre negros e brancos desde que se respeitasse o princípio “separate but equal”.  As companhias ferroviárias poderiam, dali para frente, abrir vagões para brancos e vagões para negros sem descumprir a Constituição; somente o juiz John Harlan foi contra a decisão segregacionista e afirmou que a Constituição deveria ser cega em relação à cor dos indivíduos; de acordo com Harlan “(...), o julgamento que hoje se concluiu se mostrará, com o tempo, tão pernicioso quanto a decisão tomada neste tribunal no Caso Dred Scott. A presente decisão não apenas estimulará a discriminação e a agressão contra os negros como também permitirá que, por meio de normas estatais, sejam neutralizadas as benefícas conquistas aprovadas com as recentes mudanças constitucionais”. De fato, para além da gravidade desta situação, espalharam-se avisos e placas por vários locais públicos com os dizeres “only for white”, “only for blacks” ou somente “white” e “colored”. Passaram-se muitas décadas de segregação e violência contra os negros e, inúmeras leis foram elaboradas para aperfeiçoar a separação física, moral e emocional entre negros e brancos. No início da década de 50 a situação começou a mudar quando em Montgomery, no Alabama, no dia 1o de dezembro de 1955, a costureira negra Rosa Parks recusou-se a ceder seu lugar para um branco num ônibus. Rosa foi presa e acusada de desordem por infringir as leis segregacionistas do Alabama. A partir deste episódio, grupos ativistas pelos direitos civis dos negros organizaram boicotes contra o transporte urbano da cidade e escolheram o jovem reverendo Martin Luther King Jr. para representá-los. Treze meses após o início do boicote, sob a liderança de King, a lei segregacionista foi revogada. King, adepto da não-violência e admirador de Ghandi, procurou trazer para dentro do movimento pelos direitos civis dos negros outros líderes religiosos numa tentativa de trilhar um caminho pacífico na consolidação destes direitos. A condição dos negros no país mais próspero do mundo era triste e dolorosa: amontoavam-se em guetos na cidade; moravam em choupanas no campo; não possuíam escolas de qualidade; estavam condenados a empregos inferiores e mal remunerados; entre eles aumentava o alcoolismo, a violência e o banditismo. À luta pelos direitos civis dos negros uniram-se outros tantos negros do norte dos EUA, artistas, intelectuais, religiosos que pressionavam os Estados do sul. Apesar da reação violenta dos sulistas, a Lei dos Direitos Civis foi aprovada e sancionada em 02 de julho de 1964 pelo sucessor de Kennedy, o então presidente Lyndon B. Johnson, por coincidência, sulista. Em 04 de abril de 1968 King é assassinado no Estado racista do Mississipi; sua morte contribuiu para que a sociedade estadunidense entendesse a urgência de tratar e não ignorar, a questão racial nos EUA.
Sem dúvida, muita coisa mudou no Brasil e nos Estados Unidos nas últimas décadas, mas algumas reflexões são importantes:
As denúncias de violência doméstica contra a mulher registraram alta de 112% no ano de 2010 no Brasil.    
A sociedade brasileira é considerada uma das mais violentas do mundo, incluindo a violência praticada contra a mulher por maridos, namorados, ex-maridos etc.
A pesquisa “Mulheres Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado” realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC em agosto de 2010 constatou que a cada 2 minutos cinco mulheres são espancadas violentamente no Brasil e que, quase 50% dos homens afirmam ter um amigo ou conhecido que bate na mulher!
No Brasil, as mulheres recebem 34% menos que os homens quando trabalham na mesma função.
Nos EUA, para cada dólar pago a um branco, um negro recebe o equivalente a 40% deste valor.
Nos EUA, é mais fácil que se contrate um branco com antecedentes criminais do que um negro com estudos e histórico impecáveis.
Nos EUA, os presos negros representam 42% dos detentos.
Cerca de 37% dos abortos feitos nos EUA são de mulheres negras.
Cerca de 65% dos casos novos de infecção pelo HIV nos EUA ocorre entre mulheres negras.
Tendo em vista os dados acima, o que desejam o Brasil e os Estados Unidos que elegeram uma mulher e um afro descendente para a presidência do país? Creio que somente o tempo e a história mostrarão o grande passo que foi dado em ambas as sociedades.

Etiane Caloy é professora de História do Brasil Contemporânea e Metodologia Científica do curso de Relações Internacionais no UNICURITIBA



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