A gênese das crises parece ter um ponto comum: alguma orientação de política econômica que aumenta significativamente a credibilidade do país, normalmente associada a uma garantia sobre os rumos da taxa de câmbio, tornando esta importante variável mais previsível e mais segura. No Brasil, foi o Plano Real e a adoção de um regime de bandas cambiais; para os pequenos países europeus, foi a substituição de suas moedas locais pelo Euro. A credibilidade em alta e a abundância de recursos no mercado financeiro internacional inundam estes países de dinheiro estrangeiro, que vai para a bolsa, para investimentos em produção e em imóveis e para dar crédito aos governos e ao setor privado, que se endividam em proporções assustadoras¹. Ao mesmo tempo, tanto dinheiro infla a demanda e gera alta de preços de ativos, de bens e de serviços, tornando estas economias pouco competitivas na comparação com outros países, diminuindo sua capacidade de exportação e estimulando o uso dos importados.
Enquanto há sobra de recursos no mercado internacional, o dinheiro de fora ajuda a cobrir o vermelho nas contas externas. Mas, quando por algum motivo a fonte de recursos estrangeiros seca, a conta já não fecha mais. A fonte pode secar ou porque, de uma hora para outra, os estrangeiros se dão conta de que a espiral de endividamento destes países é insustentável (ou seja, há disponibilidade de recursos mas não há disposição em emprestar o dinheiro para estas economias); ou porque uma crise nos países de origem destes recursos faz o dinheiro desaparecer. Às vezes, acontece de haver uma infeliz combinação das duas coisas.
É justamente esta a situação em que se encontram alguns países da zona do Euro neste momento. Como de praxe, a primeira medida é tentar salvar os devedores com pacotes de ajuda, financiados por organismos como o FMI. Os pacotes bilionários envolvem condicionalidades, uma forma de tentar garantir que, no futuro, os países conseguirão pagar suas dívidas com seus próprios recursos. As condicionalidades em geral envolvem metas de ajuste fiscal, um passo doloroso mas necessário para que as contas dos países saiam do vermelho e a dívida não exploda.
O acordo dá alguma esperança de que o país consiga honrar seus compromissos imediatos e recuperar a capacidade de pagamento para o futuro mas, em geral, a esperança não sobrevive às inúmeras dificuldades políticas e práticas que acompanham a fase de ajuste. Criar gastos públicos é fácil; difícil é cortar, em especial quando o corte tem que ser significativo e rápido. Na Grécia, a população reagiu aos sacrifícios impostos pelo ajuste (na forma de corte de empregos e salários para o funcionalismo público) com inúmeras greves, em alguns casos paralisando o país. Em Portugal, as medidas de ajuste foram rejeitadas pelos políticos e acabaram levando à queda do primeiro-ministro.
Com o tempo, as boas intenções dos compromissos assumidos na assinatura dos pacotes de ajuda se traduzem em muito pouco efeito prático, levando a um agravamento da situação que havia antes dos pacotes. Foi assim com o Brasil e diversos emergentes, e parece ser nesta direção que caminham algumas das nações européias.
Na ausência de soluções milagrosas, a solução parece sempre resvalar em alguma forma de ruptura. O Brasil fez uma escolha difícil: deixou que sua moeda se desvalorizasse em relação à de seus parceiros comerciais, abandonando a mesma política cambial que havia aumentado sua credibilidade anos antes. A flutuação do real fez com que o mercado corrigisse seu valor (até com algum exagero num primeiro momento), devolvendo competitividade aos produtos brasileiros, que passaram a custar menos em dólares no mercado internacional. Com as exportações em alta e as importações mais caras, as contas externas voltaram a fechar no azul depois de um tempo, e o excesso de dólares ajudou a reduzir a dívida externa. No Brasil, esta escolha envolveu custos importantes, mas evitou que houvesse um calote da dívida e, mais importante, ao permitir que o câmbio flutuasse também ajudou a evitar que o problema se repetisse anos à frente.
E qual será a escolha de Grécia, Irlanda e Portugal? A dificuldade destes países é que eles não têm moeda própria: ou seja, se quiserem aumentar sua competitividade via câmbio, na prática terão que abandonar o Euro – o que certamente seria considerado um grande retrocesso e um golpe fatal na idéia da integração européia, que vem sendo gestada e implementada ao longo de várias décadas. A esta altura, não se sabe sequer se a saída do Euro é viável juridicamente. Ainda assim, rumores recentes dão conta de que a Grécia poderia estar considerando a saída do Euro.
Porém, alguma ruptura parece inevitável; e a saída mais provável tende a ser a do calote, ainda que parcial. Mas é difícil prever como e quando esta ruptura acontecerá. Enquanto isso, parte dos investidores continua pensando que os pacotes de ajuda e as medidas de ajuste fiscal darão conta do enorme problema instalado na região. Porém, com tudo que a história e a teoria econômica nos ensinam, este parece menos um raciocínio do que uma torcida.
¹ Para quem tiver interesse, o site do Le Monde criou um gráfico interativo que mostra a dramática evolução da dívida e do déficit público nos países da Zona do Euro. O mapa pode ser encontrado em http://www.lemonde.fr/economie/infographie/2010/12/17/les-principaux-plans-de-rigueur-en-europe_1454031_3234.html#ens_id=1268560
Adriana Beltrão Dupita é mestre em economia pela London School of Economics e professora convidada da pós-graduação da FGV-SP.