Fica cada vez mais evidente a profunda relação que a cultura tem com a identidade de um povo. Ao contrário do que se imaginava há anos atrás, cultura não tem a ver apenas com a arte, dita elevada, superior, mas também com todas as manifestações que definem a “alma” de uma nação: língua, história, hábitos alimentares, festas, músicas, arquitetura, contos e lendas populares, crenças e religiões. Entender estas especificidades torna-se um campo específico da atuação de profissionais de Relações Internacionais, na medida em que outros atores se definem no cenário internacional.
As Relações Internacionais não são um assunto apenas dos Estados nacionais, de corpos específicos de profissionais diplomáticos, mas perspassam muitos outros setores sociais, para além também das empresas e do mundo dos negócios. Artistas, apresentando-se em um país estrangeiro, levam a marca de sua origem em sua música, sua dança e expressão corporal, em seus quadros, esculturas e livros. Filmes e produções para a TV e cinema, como as telenovelas, a transmissão de festas populares, como o carnaval brasileiro, o “bumba meu boi” da região norte, e festas de São João do nordeste, com todos os seus universos imagéticos, trazem uma profunda relação com nosso país e estimulam a vinda de milhares de turistas dispostos a gastar seus recursos para conhecer um outro mundo exótico e diferente do que estão acostumados, bem como a nossa relação com a natureza.
Temos um mercado crescente em termos de telenovelas, de nosso cinema e de nossa música, que não só nos trazem mais divisas, mas projetam o que somos e o que produzimos. Pois que a grande indústria cinematográfica, na qual ainda engatinhamos, não exibem apenas nossa identidade, mas projetam também os produtos que aqui fazemos, pelo merchandising e a mera presença em tela, muitas vezes. Exemplos disso podem ser encontrados às dúzias em qualquer filme tipo blockbuster, com seus automóveis, computadores, bebidas e inúmeros outros objetos que rapidamente se transformam em ícones de consumo.
Percebe-se um grande esforço de empresas e do governo brasileiro em difundir nossa cultura, em diversos níveis. Alguns exemplos dão conta da escalada de promoções voltadas a divulgar nossa cultura em terras estrangeiras: 2005 foi o Ano do Brasil na França; 2006, a Copa da Cultura, na Alemanha; 2007 deu-se início a uma maior aproximação cultural com nossos vizinhos, o Paraguai em especial, e a promoção de shows, exposições e intercâmbios artísticos no âmbito do Mercosul. Por outro lado, a atuação do ministro/artista Gilberto Gil, enquanto esteve à frente do Ministério da Cultura, de eventos como o Show da Paz, na sede da ONU, em 2005, trouxe uma ainda maior visibilidade no cenário internacional ao Brasil. Por outro lado, conhecer a cultura alheia pode facilitar negócios e aproximações diplomáticas, pela observância de costumes e respeitos a crenças e religiões.
Não apenas os países lusófonos são alvo preferencial desta chamada paradiplomacia, mas também as diferentes comunidades de brasileiros espalhados pelo mundo são mercados ávidos de informações, produtos e compartilhamento de um universo cultural que nos é peculiar. A reforma ortográfica recente buscaria ampliar a consistência deste mercado editorial, por mais que ainda esteja engatinhando em termos de seus efeitos práticos.
Desta forma, assuntos como o cinema, música, literatura, direitos autorais, indústrias culturais e indústrias criativas, circulação de bens culturais, patrimônio imaterial, religião e crenças, hábitos alimentares, migrações, esportes em geral e grandes eventos, como Copas do Mundo de Futebol, Olimpíadas, em particular, enfim, características culturais em geral, serão cada vez mais apreciados como temas dignos de análises de estudantes e profissionais de Relações Internacionais, para facilitar a aproximação dos povos e a concretização de negócios.
Estes são alguns exemplos de temas do enfoque desta coluna que, esperamos, possa atrair mais interessados nas Relações Internacionais e considerar a cultura como uma vertente digna de figurar como campo de análise dos internacionalistas. Esta coluna vai ao ar às quartas feiras.
Renato Carneiro Jr. é professor de História da UNICURITIBA.
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