“Você se sente incomodado com gente do Centro e do Leste da Europa? Ou você perdeu seu emprego para um polonês, um búlgaro, um romeno ou para um cidadão de outro país do Centro ou Leste Europeu? Nós queremos muito ouvi-lo.”
Acima dessas frases, fotos de jornais holandeses alternando as manchetes “europeus do Leste cada vez mais criminosos” e “poloneses, búlgaros e romenos crescentemente nas estatísticas criminais”. Não trata-se de um simples chamado xenófobo de um pequeno grupo de radicais. Trata-se de um site assinado por Geert Wilders, líder do terceiro maior partido holandês, o Partido Pela Liberdade (Partij voor de Vrijheid – PVV, 24 cadeiras de 150 no parlamento).
A iniciativa conclamando holandeses a registrarem suas queixas contra imigrantes e incentivando a culpá-los pela crise e pelo desemprego no país (6,2% em abril, maior índice desde 2005), imediatamente gerou queixas em outros fronts: “o site é extremamente infeliz. Pode-se ser contra um governo ou contra um partido político, não contra um povo ou uma nação”, declarou à revista Voto o embaixador húngaro na Holanda, Gyula Sümeghy, mestre em Estudos Europeus pela London School of Economics. Juntamente com colegas embaixadores de outros países do leste, como Polônia e Bulgária, Sümeghy registrou a insatisfação por escrito em carta ao governo holandês.
A discussão foi parar no Parlamento Europeu, cujo presidente teve uma conversa em março com o Premiê holandês, Mark Rutte, do Partido Popular para a Liberdade e a Democracia (VVD). O PVV de Wilders dava então apoio ao gabinete de Rutte no parlamento. Em nome da liberdade política e de expressão (e da própria sobrevivência política de seu gabinete), Rutte porém não condenou nem elogiou o site. Insistiu que não interferiria na agenda de outro partido. Pouco depois, o partido de Wilders perderia um de seus principais membros, insatisfeito com a repercussão negativa do site, que continuava no ar. No fim de abril, o PVV finalmente romperia com o governo em virtude de discordâncias com os cortes propostos no orçamento. Novas eleições estão previstas na Holanda para setembro.
O site do populista PVV demonstra que são muitas as Europas dentro da União Europeia. A divisão norte-sul propagada em tempos de crise econômica não é a única cisão perceptível. “É evidente que há um conflito entre o ocidente e o leste europeus quando a questão é emprego. Em termos econômicos, no entanto, é ingênuo crer que haja esse 'roubo' de empregos: o fato é que a mão de obra do leste é mais barata - e há demanda para isso” avalia a romena Roxana Estefania Boboruta, mestre em Segurança Internacional pela Universidade de Bucareste. “Além disso, muita gente emigra para trabalhar, no nosso caso principalmente à Itália e à Espanha, e com o dinheiro poupado, retorna para investir em um negócio próprio na Romênia. Essas histórias de sucesso são muito contagiantes e mais e mais gente quer seguir esse rumo”, explica Boboruta, ressaltando a igualdade que a cidadania europeia deveria garantir a todos os cidadãos de países membros. “Todos os que advogam por fechar fronteiras e dificultar o trânsito de pessoas são oportunistas políticos. O ocidente europeu não conseguiu adaptar o conceito de livre mercado à sua realidade e, agora em crise, há quem procure soluções atacando estrangeiros”, completa.
Desde a Polônia, a mensagem é idêntica: fechar fronteiras dentro da Europa e atacar imigrantes é tudo o que não se necessita nesse momento. “A União Europeia foi criada justamente para estimular a cooperação e a livre circulação de pessoas, bens e serviços no continente, evitando futuras catástrofes como as guerras que ocorreram no passado. Basear roubo de empregos a partir da nacionalidade de uma pessoa é um comportamento absolutamente sem noção”, comenta Jacek Spendel, mestre em Ciências Sociais pela Universidade de Gliwice, Polônia. “Eu sou completamente favorável à liberdade de expressão: pessoas sem noção podem criar sites sem noção falando coisas sem noção. E jogar a culpa da crise do euro nos imigrantes é, definitivamente, uma atitude sem noção. O welfare state está falido, os governos gastam mais do que arrecadam e as pessoas preferem não trabalhar para não abrir mão de subsídios. Quando há propostas para cortar gastos e não há mais a que recorrer, é fácil colocar a culpa nos outros e pensar: 'bem, não queremos cortes e também não queremos ficar desempregados; então, vamos mandar esses poloneses embora que voltaremos a ter nosso welfare state'. É uma completa falácia!”, completa Spendel, que é diretor do Globalization Institute, ONG que promove o livre mercado na Polônia.
Os cidadãos de países que entraram recentemente na União Europeia, como a Bulgária, em 2007, ainda não detêm direitos iguais aos demais, para piorar a situação. “Nós só poderemos trabalhar aqui na Holanda, por exemplo, sem precisar de licença a partir de 2014, sete anos após o nosso ingresso na União. Somos tratados como cidadãos de segunda categoria”, explica a búlgara Silviya Nitsova, mestranda em Relações Internacionais pela Universidade de Leiden. Ela já trabalhou no Ministério das Relações Exteriores do país, em Sofia, que também se pronunciou contra o site holandês. No entanto, Nitsova permanece otimista: “a economia búlgara está indo bem, estamos cumprindo as metas da União Europeia e, eu mesma, considero-me europeia. Eu sou europeia”.
Como Nitsova, também o embaixador húngaro tem bons prognósticos para seu país, a região e o continente. “Nós também queremos e vamos ingressar na zona do euro. Não há plano B, não há como evitar isso. Não pode haver uma Europa do norte e uma do sul; uma do leste, outra do ocidente. Isso não traz solução. E, se olharmos para os dados, veremos que o centro e o leste europeu têm sido extremamente responsáveis no cumprimento de metas econômicas. Alguns desses países têm apresentado inclusive melhores resultados do que o restante do continente” compara, diplomaticamente, Sümeghy.
* Marcel van Hattem é Mestrando em Ciência Política pela Leiden University
Publicado na Revista Voto, edição de junho de 2012 (www.revistavoto.com.br)
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