A Escalada da Desesperança: O Novo Conflito em Gaza
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A Escalada da Desesperança: O Novo Conflito em Gaza




A manifestação em Tel Aviv é de 2009,mas a imagem vale para hoje: além dos bombardeios,a população civil sofre com as privações do dia a dia....

Por Andrew Patrick Traumann*

Mais uma vez assistimos a uma ofensiva israelense na Faixa de Gaza. É a terceira desde o desmantelamento dos assentamentos israelenses por Ariel Sharon em 2005 e as três têm características semelhantes. O fracasso nas negociações e algum incidente envolvendo civis de ambos os lados deflagra uma nova operação militar que não possui chance alguma de ser bem-sucedida. A mídia, imediatista como é de sua característica, reduz o conflito  atual a uma resposta ao assassinato de três colonos israelenses. Evidentemente este foi o estopim (lembrando que dias depois um jovem palestino foi queimado vivo por um grupo de israelenses) e não a causa da atual ofensiva do governo de Tel Aviv.

Devemos lembrar que poucas vezes na História as chamadas “negociações de paz” atingiram um ponto tão baixo. O secretário de Estado John Kerry foi várias vezes ao Oriente Médio tentar intermediar um acordo e quase nada conseguiu.

O projeto apresentado por Kerry propunha a anexação por parte de Israel de Jerusalém Oriental e de 10% da Cisjordânia, onde vivem mais de 80% dos colonos judeus. Ficou acordado também que Israel congelaria a construção de novos assentamentos, o que não fez, muito pelo contrário. De olho na sua base eleitoral formada em grande parte por judeus ortodoxos que acreditam que ocupar Judeia e Samaria (como chamam a Cisjordânia) é uma missão sagrada, o governo de Benyamin Netanyahu quadruplicou o ritmo de construção de assentamentos, demonstrando pouco comprometimento com os esforços de Obama/Kerry. A Autoridade Palestina por sua vez não aceitava abrir mão de Jerusalém Oriental e de ceder mais de 3% do território da Cisjordânia.

O ponto da discórdia passou a ser então o que fazer com os colonos que estivessem fora da área de negociação. Netanyahu inexplicavelmente queria que os colonos permanecessem onde estavam e gozando de todos os direitos de um cidadão israelense. Ou seja, na prática Netanyahu desconsiderava que estes colonos agora seriam cidadãos israelenses em um país estrangeiro, sujeito as suas leis, como qualquer estrangeiro em qualquer parte do mundo. O Ministro da Economia israelense na contramão de tudo que vinha sendo conversado propôs a anexação de 60% da Cisjordânia e expulsão dos palestinos. Kerry então deu uma declaração um tanto óbvia para quem acompanha de perto as negociações de paz, mas que supostamente ultrajou Tel Aviv. Disse que se Israel não fizesse sua parte poderia ocorrer uma nova Intifada (revolta) palestina e que cada vez mais a situação nos territórios ocupados se assemelha ao regime de apartheid sul-africano, com alguns cidadãos gozando de plenos direitos e outros de nenhum com base em questões étnicas. Em outras palavras, nos territórios ocupados ser judeu ou não é o que define seus direitos políticos, econômicos, de propriedade, de ir e vir etc.

Já há algum tempo a União Europeia e algumas instituições norte-americanas tem usado do boicote (a mesma arma utilizada vitoriosamente contra  apartheid sul-africano) para pressionar Israel a modificar o tratamento dado aos palestinos. A União Europeia proibiu a assinatura de acordos com Tel-Aviv que não excluam explicitamente as empresas, universidades e instituições instaladas nos territórios ocupados. Instituições holandesas e norueguesas também suspenderam investimentos em empresas que operem nestes mesmos territórios. Israel hoje controla o espaço marítimo e aéreo de Gaza, restringindo a tradicional prática da pesca e impondo um embargo que controla a entrada e saída de alimentos, combustível, material de construção e defensivos agrícolas, além do controle do  fornecimento de energia elétrica hoje disponível apenas oito horas por dia.

A má vontade do atual governo de Israel em negociar levou os palestinos não a cederem ainda mais como era esperado, mas a aproximação entre seus principais grupos políticos, o Hamas e a ANP. O Hamas encontra-se isolado desde a Primavera Árabe,quando ao apoiar os sunitas na Síria,perdeu o apoio tanto do governo de Bashar Al-Assad quanto do governo iraniano,seu grande financiador. A queda de Mohamed Morsi no Egito, que mediou o ultimo e bem-sucedido cessar fogo só isolou ainda mais o Hamas. Daí por diante a história é bem conhecida: Israel não aceita a reconciliação entre os dois, se retira das negociações e meses depois o assassinato dos colonos serve como motivação para tentar a destruição do Hamas. Este por sua vez com seus foguetes obsoletos procura por meio das inevitáveis baixas civis palestinas sensibilizar a opinião pública internacional para que haja um relaxamento do embargo que asfixia sua economia. Israel busca desmantelar o Hamas, mas como este não possui um QG com localização definida, e sua infraestrutura está espalhada por todo o território, os civis palestinos acabam sendo as principais vítimas do fogo cruzado.

Como sempre, infelizmente temos de dizer que não há saída fácil para o conflito: Netanyahu de olho nas próximas eleições precisa mostrar a seus cidadãos que ele e seu partido são os mais eficientes defensores do Estado de Israel e que não farão concessões. O Hamas após ter feito escolhas políticas equivocadas tenta lembrar ao mundo que ainda existe, mesmo que seja lançando foguetes sobre território israelense. A ANP única interlocutora dos palestinos aceita pela Comunidade Internacional, nada tem obtido em prol de seu povo, que não seja a continuidade e expansão da ocupação israelense. Mais cedo ou mais tarde a ONU, a UE e os EUA com apoio do novo governo egípcio conseguirão estabelecer um cessar-fogo. Porém, será apenas uma trégua. Enquanto as questões centrais: assentamentos, Jerusalém, refugiados e fontes de água não forem tratadas com pragmatismo, este conflito que já se arrasta há quase setenta anos não terá solução á vista.


*Andrew Patrick Traumann é Doutor em História, Cultura e Poder pela UFPR e Professor de História das Relações Internacionais do UNICURITIBA.



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