Foto: Fernanda Birolo / Embrapa
      O surto de microcefalia registrado no Nordeste pode ter outras  causas além da contaminação do feto pelo zika durante a gestação.  Pesquisadores brasileiros encontraram em amostras de fetos com  microcefalia provocada por zika traços de um outro vírus, o BVDV, um  agente que até hoje se imaginava afetar rebanhos animais, como  bovinos. Os indícios, embora ainda tenham de ser comprovados com testes  mais específicos, foram considerados relevantes pelos cientistas. Por  precaução, eles comunicaram o Ministério da Saúde antes mesmo da  publicação do trabalho em revista científica, em reunião de emergência  feita na semana passada. A pesquisa foi feita por integrantes da  Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pelo IPESQ, Instituto de  Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto. Diante das suspeitas, uma série  de medidas foi adotada. A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi  comunicada e ontem foi realizada uma reunião com o Ministério da  Agricultura para avaliar medidas de proteção do gado, caso a hipótese  seja mais tarde confirmada. Um grupo do Ministério da Saúde foi  destacado nesta semana para ajudar a estudar o caso. Equipes foram  enviadas a campo, na Paraíba, para tentar buscar ligações entre as  mulheres que tiveram seus embriões com suspeita de contaminação por  BVDV. Embora intrigados com resultados, pesquisadores que participam do  estudo ouvidos pela reportagem mostram-se cuidadosos. Eles dizem ser  precipitada qualquer conclusão. Os trechos do BVDV foram encontrados em  três amostras, um número ainda considerado pequeno para fazer alguma  afirmação categórica. O grupo agora concentra esforços para fazer o  sequenciamento do vírus. Uma tarefa que é cara. Justamente por isso,  buscaram auxílio do Ministério da Saúde. "Essa é uma peça importante  dentro desse quebra-cabeças. Nunca foi descartada a possibilidade de  que, além do zika, outro vírus estivesse relacionado ao aumento de casos  de bebês com problemas neurológicos", disse um integrante da  força-tarefa destacada para avaliar o caso, que atua em Pernambuco. O  BVDV é um vírus presente no rebanho de vários países, incluindo o  Brasil. Da mesma família do zika (Flaviviridae), ele causa no gado uma  série de doenças, como diarreias e problemas respiratórios. O que chama  mais a atenção, no entanto, é a grande quantidade de casos de abortos e  de más-formações provocadas por esses vírus no gado. Entre os problemas  encontrados, está a artrogripose, uma síndrome que provoca má-formação  em articulações, já identificada em alguns bebês com microcefalia. Foi  justamente essa semelhança na forma do ataque do vírus na formação do  feto de gado e dos bebês com microcefalia associada ao zika que  despertou o interesse dos pesquisadores. Assim como acontece com bebês, a  literatura mostra que o impacto do BVDV na formação do feto bovino muda  de acordo com o período de infecção. "Abortos e más-formações são mais  comuns no primeiro trimestre da gestação dos bovinos", afirmou o  professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da  Universidade Federal de Santa Maria, Eduardo Flores. Assim como de  humanos, o período de gestação no gado é de 9 meses. O professor afirma  que, embora muito presente no rebanho brasileiro, até hoje não houve  relato sobre a transmissão do BVDV para seres humanos. Também não há  registros sobre contaminação do vírus no meio ambiente. Uma das  hipóteses de pesquisadores é de que o fato de o zika e o BVDV serem da  mesma família possa aumentar a possibilidade de interação. "Talvez isso  ajude a explicar a forma como o zika rompe a barreira placentária e  ataca o feto", diz um representante do governo de Pernambuco. Essa  interação poderia também ajudar a explicar um fato que intriga  autoridades sanitárias e a comunidade científica em geral: por que  algumas regiões do Nordeste brasileiro foram muito mais afetadas pela  síndrome provocada nos bebês pelo zika do que outros Estados ou outros  países? A resposta ouvida até agora era de que a epidemia de zika em  outras regiões do País é muito recente e que, por isso, seria preciso  esperar alguns meses até que bebês com a síndrome congênita começassem a  nascer. "O tempo está passando e a epidemia de grandes proporções  esperada no Sudeste não está acontecendo", afirmou o representante. O  último boletim do Ministério da Saúde sobre a microcefalia mostra que há  1.417 casos confirmados no Nordeste e 106 no Sudeste.  
 por Lígia Formenti | Estadão Conteúdo