O engajamento chinês no regime de não-proliferação
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O engajamento chinês no regime de não-proliferação


 Bruno de Paula Castanho e Silva

Um dos regimes mais importantes para a sociedade internacional desde meados da Guerra Fria é, sem dúvida, o da não-proliferação de armas de destruição em massa (WMD na sigla em inglês) e o de gradual desarmamento das potências nucleares. O risco de que um conflito possa levar à extinção da vida humana na Terra levou os Estados a buscarem mecanismos para reduzir ao mínimo possível a possibilidade de uma guerra nuclear.
O regime alcançado, sem dúvida, tem razoável efetividade em dissuadir países mais fracos de buscarem a obtenção destes armamentos. No entanto, quando se trata das grandes potências nucleares, a questão torna-se muito mais complexa. Armas nucleares são um elemento central nas estratégias de segurança nacional de Estados Unidos, Rússia e China, e quaisquer tentativas de levar estes países a reduzirem seus arsenais ou comprometerem-se com a não-proliferação requer longas negociações e concertos.

Tendo em vista a disparidade entre o arsenal nuclear chinês e seus correspondentes americano e russo, o que leva à diferença de tratamento da questão em cada um destes países, este ensaio busca analisar as possibilidades de Pequim diante do tema, para melhor compreender se este regime efetivamente pode vir a ser considerado um aliado na busca por um mundo com menos armas nucleares. Para isto, serão utilizados alguns conceitos de teoria dos jogos, explicados com mais detalhes abaixo.
A finalidade esperada é observar se, a persistirem as condições atuais, o regime chinês tende a reforçar a aplicação de medidas de não-proliferação adotadas nas últimas décadas, ou se tal política é apenas uma concessão estratégica à demandas e constrangimentos impostos pelos Estados Unidos.
Alguns conceitos desenvolvidos no âmbito das teorias dos jogos e sintetizados por Robert Jervis (JERVIS, 1978, p. 172 e ss.) provar-se-ão úteis para a análise em questão. O primeiro é o dos custos de ser explorado (CD), no caso em que um Estado coopera (explorado) e o outro decide abandonar o acerto (explorador). No lado oposto estão os ganhos de exploração (DC), que podem ser definidos pelas vantagens materiais obtidas quando se decide abandonar o regime enquanto os outros mantêm os compromissos. Os outros dois cenários seriam os de total cooperação (CC), no qual todos cumprem seus compromissos, e total defecção (DD), onde o sistema em questão vai à bancarrota completamente.
No regime da não-proliferação, é evidente que o objetivo só pode ser alcançado se todos cooperarem, e que o prejuízo no caso de ser explorado leva com que os atores desertem ao primeiro sinal de defecção. Os incentivos para a defecção são altos, vez que tanto os custos de ser explorado quanto os ganhos de exploração são elevados. Estes últimos são de tal monta altos que, para os três Estados mencionados, pode-se dizer ser preferível a total dissolução do sistema e a ocorrência de uma corrida armamentista à perda de poder inevitavelmente atrelada a CD. Desta feita, os cenários ideais possíveis e suas probabilidades são os seguintes:
a) CC – Os três cooperam, Rússia e Estados Unidos reduzem seus arsenais a um número abaixo de mil ogivas para cada, abrem mão de modernizações nos sistemas de mísseis e outros programas relacionados, enquanto Pequim se engaja efetivamente no combate à proliferação e interrompe o aumento de investimentos em suas capacidades. Nesta hipótese, mesmo com uma redução no aumento de investimentos, a China seria a mais beneficiada dos três, visto que as perdas dos outros seriam muito maiores, e o poder militar deve ser medido relativamente, e não absolutamente.
b) CD – A China coopera enquanto Estados Unidos e/ou Rússia abandona(m) o regime, o que Pequim acusa, de certo modo, ser a estratégia de Washington. Neste cenário, obviamente a China é a grande perdedora, visto que o hiato entre os arsenais apenas faria aumentar, até um ponto em que dificimente poderia vir a ser revertido. Por esta razão, a qualquer sinal de que Rússia e Estados Unidos poderiam não estar cooperando integralmente, Pequim desertaria, já que em sua situação não há uma folga que a permita um período de perdas.
c) DC - China deserta e EUA/Rússia mantém a cooperação, reduzindo seus arsenais para os níveis  requisitados enquanto Pequim prossegue com o aumento nos investimentos. Esta obviamente é a situação ideal para a China, que trabalharia para alcançar o mesmo poder militar das superpotências na área enquanto estas voluntariamente abririam mão de sua vantagem.
d) DD – Se todos desertarem, o que em última instância poderia levar a uma nova corrida armamentista. Este caso também não deve ser visto de modo negativo pela China. A se sustentar o crescimento econômico das últimas décadas, o país é o mais capaz de investir em seu arsenal nuclear e dispositivos de entrega, algo que o dá uma vantagem em relação à Rússia. Além disso, as preocupações estratégicas chinesas ainda são regionais, o que permite maiores investimentos proporcionais na Segunda Força de Artilharia, responsável pela defesa nuclear. O mesmo não acontece com os Estados Unidos, para quem a situação estratégica ideal seria a de poder operar com sucesso em duas regiões do planeta simultaneamente, o que evidentemente exige muito mais investimentos em todas as áreas das Forças Armadas.
Portanto, o melhor resultado para a China viria com CD. Os casos de cooperação total e bancarrota seriam, para os efeitos desta análise, equivalentemente positivos, já que tenderiam a levar a um aumento do poder chinês em relação às superpotências nucleares, de maneira que a avaliação de qual seria efetivamente melhor dependeria de fatores mais específicos e momentâneos. No que concerne a este ensaio, ambos podem levar a situações de ganhos comparativos. O pior resultado, como já mencionado, é o de DC.
A conclusão a que chegamos, destarte, é que para Pequim o melhor resultado possivelmente alcançável com cooperação é também o pior resultado que pode vir da defecção. Ora, um simples exercício de lógica é capaz de dizer qual opção mais provavelmente escolhida pelo Partido Comunista Chinês, líder da segunda economia do mundo e tentando chegar ao mesmo posto no que se refere a poder político e (portanto) militar.
   
Referências:
JERVIS, Robert. Cooperation under the security dilemma. World Politics, Vol. 30, No. 2, Jan. 1978, pp. 167-214.

Bruno Castanho é mestrando em Relações Internacionais na Universidade de Tallinn – Estônia



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