Publico este texto em memória de uma brasileira que não conheci, Laís Santiago, e em solidariedade a tantos outros brasileiros que sabem, sentiram ou ainda sentem na pele o que é um moderno e abjeto trabalho escravo.
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Formado em hotelaria, meu irmão Robbert van Hattem embarcou em 20 de março passado em um cruzeiro para ser assistente de garçom. Era um navio da MSC e ele estava animado: queria vir à Europa para trabalhar aqui mas, antes disso, ter uma experiência por alguns meses em um cruzeiro parecia uma ideia muito boa tanto para seu currículo, como para o seu aprendizado pessoal.
Pode parecer forte o título desse post, mas o que ele me contou (e que você poderá ler abaixo) é difícil não caracterizar como trabalho escravo: doze horas por dia em um navio sem ter para onde ou a quem recorrer, sete dias por semana, sendo humilhado pelos chefes, normalmente latinos ou italianos. Um dos motivos dessa barbaridade está na própria lei protecionista brasileira: navios que atracam no Brasil são obrigados a contratar uma cota de seus funcionários entre compatriotas nossos. O preconceito dos superiores devido a essa lei que está imposta é evidente.
Aos brasileiros, por isso, são reservados os piores cargos, como o que o Robbert teve desde que embarcou, além do mais puro desprezo do patrão. Em primeiro lugar, eu nem sabia que "assistente" de garçom existia. E, para piorar, meu irmão me contou que não chegava nem a ser assistente de garçom propriamente dito - era chamado "assistente de garçom utility", o que na prática significava apenas um contracheque de valor ainda mais baixo do que o dos demais assistentes de garçom.
Já não aguentando mais o tranco do serviço, que lhe renderia mil dólares mensais, ao fim do primeiro mês ligou-me. Contou-nos o quanto estava sendo dura a experiência e estranhamos, pois ele nunca foi de se queixar de trabalhar pesado. Contou-nos, inclusive, que foi constrangido por um chefe a ir visitar uma passageira no quarto, que queria uma "visita", o que obviamente recusou. Tanto eu, morando na Holanda, como minha família, no Brasil, aconselhamos-no a tomar a decisão que ele já considerava seriamente: pegar o salário do mês e demitir-se, desembarcar em algum lugar na costa italiana, onde o navio já havia chegado, e pegar o primeiro avião que pudesse a Paris em 21 de abril, onde eu me encontraria circunstancialmente
Dos mil dólares sobraram pouco mais de 500: a agência em que ele estava, que não lhe dava acesso à internet, reservou a viagem ela mesma, ao custo de mais de 300 euros. Foram 31 dias de experência. Repito, sem um único de folga.
Agora, leio na internet que uma brasileira, nas mesmas condições do Robbert, atirou-se de um navio na costa italiana. Leia em Câmera gravou brasileira se jogando de navio da Itália, diz Itamaraty. Compadeço-me muito de sua família e lamento a sua morte trágica. Tenho pouquíssimas dúvidas de que Lais Santiago tenha sido vítima fatal desse moderno e abjeto trabalho escravo.
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Em tempo:
A lei obviamente é, como eu disse acima, "um dos motivos" para que isso tudo aconteça. Não o único e, certamente, não o principal. Os empregadores são os maiores responsáveis pelas lamentáveis condições de trabalho, como bem ressaltado no comentário abaixo do leitor Floyd.
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Leia a seguir o comentário de meu irmão, Robbert van Hattem:
"Meu nome é Robbert van Hattem, tenho 21 anos e trabalhei por um mês em um cruzeiro marítimo da MSC como auxiliar de garçom, assim como Laís Santiago.A MSC também é uma companhia Italiana, como a Costa, e também possui a bandeira Panamense.Em 30 dias de trabalho, trabalhando pelo menos 12 horas por dia, não tive nem um dia de folga.O meu salário não passou de $1000 dólares no mês.Esses empregos em cruzeiros marítimos podem ser uma boa oportunidade para quem não consegue emprego no Brasil, porém o regime de trabalho se assemelha muito com o escravo.Conforme vi nos noticiários, Laís Santiago estava prestes a se demitir do emprego. Vi muita gente nesta mesma situação durante meu tempo de trabalho na MSC. Pessoas querendo desistir do emprego mas que não o fazem por causa dos custos que isso envolve. Quando eu desisti do meu emprego, pedi que comprassem uma passagem para mim para Paris. |
Robbert e Diego: Alívo só no desembarque |
Me cobraram pela passagem cerca de €300,00. Consegui isso por possuir também um passaporte holandês. Um colega meu, Diego Muniz, quebrou o dente trabalhando. Para não perder o dente, ele teve de pagar uma passagem de volta para o Brasil. Entre perder o dente ou o salário, ele optou por abrir mão do segundo".
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