A sobrevivência do jornalismo tradicional
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A sobrevivência do jornalismo tradicional



O cenário é desolador para a mídia tradicional nos Estados Unidos. Jornais fechando, redações cortando pessoal, receitas com anúncios despencando, desde a virada do século. A circulação de jornais foi reduzida em 34% nos anos 2000 em comparação com o pico histórico de 1984. Quanto às receitas com anúncios, se em 2000 o valor ainda era de US$ 20 bilhões em todo o país, menos de uma década depois, em 2009, a indústria de mídia norte-americana arrecadou apenas metade: US$ 10 bilhões. Ou seja, retornou assim aos índices de 1965. Somente entre 2007 e 2009, 33 mil jornalistas norte-americanos foram demitidos ou foram terceirizados.
Os números, extremamente negativos, são fonte de preocupação constante não apenas nos EUA, mas no mundo todo. As liberdades de expressão e de imprensa, essenciais dentre os direitos fundamentais, são diretamente vinculadas à capacidade da chamada mídia tradicional e profissional de se pronunciar. E isso só é possível mediante sustentação financeira. 

Desde a popularização da internet, porém, e com a facilidade em encontrar informação gratuitamente na rede, o futuro do jornalismo profissional é colocado em xeque. A pergunta é inevitável: será que o jornalismo sobreviverá a essa grande revolução por que estamos passando? 

Foi com o intuito de responder a esta pergunta que o pesquisador David Ryfe, professor do curso de Jornalismo da Universidade de Nevada Reno, nos EUA, escreveu o livro Can Journalism Survive? (O Jornalismo sobreviverá?; Editora Polity, 2012, sem tradução para o português). A publicação é o resultado de cinco anos de convivência e pesquisa dentro de redações de três jornais regionais norte-americanos. De reuniões de pauta a discussões sobre a saúde financeira das empresas analisadas, Ryfe participou das decisões internas das empresas e entrevistou os principais atores envolvidos, de repórteres, a editores e administradores.

A revolução provocada pelas redes sociais

Impressa: matéria saiu na Revista
Voto de fevereiro de 2013
Vivemos a maior revolução por que passa o jornalismo desde que a atividade profissionalizou-se da forma como a conhecemos, assegura Ryfe em entrevista exclusiva à Revista VOTO, em seu escritório em Reno, Nevada (EUA). “O jornalismo, antes de se caracterizar pela independência e objetividade que as salas de redação procuram seguir, nasceu nos EUA da atividade política do panfleteiro. Foi no final do século 19 que passamos a ver a imprensa de outra maneira”, explica. “Quando pensamos no termo ‘jornalismo’, pensamos logo em um grupo empresarial de notícias, que é de onde vem a palavra original. Até pouco tempo atrás, não havia como publicar notícias se não fossem pelas instituições jornalísticas. A situação mudou: o jornalismo continua sendo feito nessas empresas, mas não somente. Se formos à blogosfera, veremos inúmeros exemplos de sites em que notícias são apanhados de dados sobre governos. Ou, ainda, o caso dos aplicativos de celular e do Twitter, com iniciativas que têm inclusive orientação tecnológica, não comercial.”

Os grupos jornalísticos, porém, não tendem a desaparecer. O que vem mudando é o tamanho de suas redações e, principalmente, a configuração delas. “Muitas redações reduziram seu pessoal na última década. Enquanto a reportagem diminui, porém, o setor de ‘Estilo de Vida’ às vezes aumenta”, exemplifica Ryfe. Essa nova revolução no jornalismo, portanto, implica em aproximar a redação cada vez mais do seu leitor e de suas preferências pessoais, especialmente em uma época em que notícias sobre grandes eventos nacionais e mundiais são facilmente encontráveis na internet. 

E o jornalista sobreviverá? “O sucesso do jornalista dependerá cada vez mais da sua capacidade de estabelecer-se como uma das principais vozes nos assuntos que ele se dedica a abordar. Ele deve criar sua própria marca”, vaticina. A influência de jornalistas com marca própria e o público que podem atingir, hoje sem limites claramente definíveis, são trunfos nas mãos até de quem se torna jornalista depois de anos em outra atividade. Como exemplos, Ryfe cita Paul Krugman, que é economista, agraciado com um Nobel, e que hoje é um dos analistas econômicos mais lidos no mundo; e Adam Davidson, esse sim jornalista de carreira, mas que criou uma marca como uma das pessoas que melhor consegue explicar economia em sua coluna na Planet Money. “O sucesso depende muito mais de características individuais, como carisma, personalidade e a qualidade de escrita”, analisa. 

Nessa nova era, o próprio diploma de jornalista é menos importante. “O que está acontecendo nos EUA hoje é o movimento inverso: quem já é especialista em uma área específica, digamos em políticas públicas, tem recebido treinamento de escolas de Jornalismo para aprimorar a redação, por exemplo. Mas ter diploma antes de entrar em uma redação não tem a menor importância. Alguns dos nossos melhores jornalistas graduaram-se em estudo comparado das religiões, economia, sociologia... Fazer jornalismo hoje é direcionar-se a um público extremamente específico. É necessária experiência na área em que se vai escrever.”

Se antes de o jornalismo ser independente, como o conhecemos hoje, ele era totalmente vinculado à política até o século 19, temos hoje os políticos utilizando as mídias sociais diretamente, tuitando, atualizando seus Facebooks, parecendo, em certos casos, até mesmo prescindir do trabalho de jornalistas. Dois processos ocorrem simultaneamente: com a diminuição das redações, a qualidade da cobertura política tem diminuído, reduzindo também a possibilidade de se contar o que se passa no mundo político; e a quase gratuidade da internet, acessível desde qualquer smartphone, facilita aos políticos a interação direta com seus eleitores. “No fim das contas, porém, o papel do jornalismo profissional continua tendo enorme relevância. Nos EUA, por exemplo, grande parte dos esforços de Obama e Romney dirigiu-se a se sair bem na mídia tradicional”, pondera Ryfe. 

Se nessa nova revolução no Jornalismo, a imparcialidade, na escala de importância do leitor, já não é mais um atributo tão importante quanto no passado, estaríamos agora ingressando em uma era em que o Jornalismo será cada vez mais parcial? Segundo o pesquisador norte-americano, a questão é mais complexa. “Nós temos que nos distanciar desse quadro parcialidade versus imparcialidade. Essas opções não são as únicas. O jornalista precisa conseguir a atenção de alguma comunidade ao perguntar-se: ‘Como posso agregar valor a ela? Como posso ser útil?’. Para isso, o jornalista também deve ser membro dessa comunidade. Não há como fazer isso de fora. 

Jornalistas que queiram continuar jornalistas precisam libertar-se da ideia de que precisam ser apenas observadores de uma comunidade e devem passar a integrar-se a ela.” Ou seja, jornalistas já não estão mais inseridos em uma comunidade apenas para informar, mas também para fazer parte delas e ajudá-las a funcionar melhor. “O conceito de imparcialidade implica em que não se participe dos resultados – o jornalista seria um observador. Agora é diferente: o destino do bom jornalista está ligado ao de sua comunidade. É uma mudança cultural muito forte”, concluiu Ryfe. 

* Marcel van Hattem é jornalista e cientista político (MSc, Leiden, Holanda) e mestrando em Jornalismo Internacional (Aarhus, Dinamarca)

Fonte: Revista Voto Impressa (fevereiro de 2013) e Online





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