Mundão
“Que fazer” agora, Raúl: aprofundar as reformas?
Rafael Pons Reis
Fidel estaria ajudando seu irmão ao abrir um espaço ante as resistências do Partido Comunista, cujos membros são contrários à diminuição do domínio econômico estatal
Após ter se afastado do poder por problemas de saúde, o ex-presidente cubano Fidel Castro volta a aparecer publicamente e a conceder entrevistas em que discute a viabilidade do sistema socialista cubano, numa tentativa que para muitos especialistas pode ser entendida como um possível apoio ao seu irmão e atual presidente, Raúl Castro.
Desde que Raúl passou a comandar o destino da nação cubana, há quatro anos, deu-se início um processo de reformas em terrenos delicados como o econômico, político e inclusive de direitos humanos. Tais mudanças vêm lentamente transformando o modelo econômico cubano e se assomam iniciativas em áreas como: reforma agrária, incentivo ao investimento estrangeiro em turismo, legalização de pequenas empresas privadas, acesso à internet, celulares e computadores. Além disso, Raúl empenhou-se também em uma forte redução de pessoal nas empresas estatais, cerca de 1 milhão de funcionários públicos, de forma que trabalhassem por conta própria, estimulando assim os pequenos negócios.
As recentes declarações de Fidel talvez atestem uma concordância – já publicada em abril deste ano em um jornal cubano – com as modestas reformas liberalizantes do irmão. Julia Sweig, cubanóloga do Council on Foreign Relations, que acompanhou o jornalista da Atlantic Jeffrey Goldberg na entrevista com o líder cubano, entende que as palavras de Fidel sinalizam o reconhecimento de que “o Estado tem um papel grande demais na vida econômica do país”. Dessa forma, Fidel estaria ajudando seu irmão ao abrir um espaço ante as resistências do Partido Comunista, cujos membros são contrários à diminuição do domínio econômico estatal; bem como endossando iniciativas para prover de eficiência a burocracia do Estado.
Diante do exposto, como podemos interpretar o contexto mais amplo de reformas econômicas e políticas que estão sendo implementadas gradativamente pelos dirigentes cubanos? Seria o reconhecimento tardio de que o socialismo cubano estaria ultrapassado e disso depreende-se a ideia da necessidade de uma “atualização”? Sem dúvida, são perguntas que por ora não temos como responder, pois ainda é cedo para afirmar com segurança os resultados e os custos políticos e econômicos de tais medidas sobre o destino de Cuba. Entretanto, é oportuno um exame mais atento acerca dos caminhos que estão sendo delineados na vida pública cubana, principalmente em um momento em que a geração de revolucionários tem se deparado com uma nova geração de cubanos ávidos pelas oportunidades da economia de mercado e uma melhor qualidade de vida.
Em julho de 2009, durante as comemorações do cinquentenário da revolução, percebia-se nos diversos cantos da ilha a chama revolucionária ainda muito presente nos corações e mentes dos cubanos. Lá, as crianças aprendem desde cedo a venerar figuras como San Martín e Che Guevara e falam com orgulho de serem revolucionárias como seus ídolos, mas é cada vez mais comum encontrar jovens cubanos que se identificam tanto com o substrato ideológico da Revolução quanto pela defesa de uma maior abertura de oportunidades de renda e negócios. Julia Sweig parece ter captado bem o sentimento e a importância do ideário da Revolução nas últimas declarações de Fidel. Em entrevista, declarou que a mensagem que Fidel queria passar era que o modelo econômico cubano estava obsoleto, “mas não a Revolução, o espírito da independência”.
É importante lembrar que as lentas transformações pelas quais Cuba vem passando fazem parte de uma conjuntura histórica mais ampla iniciada com o fim da ajuda econômica da antiga URSS na década de 1990. Cuba se viu obrigada a implementar medidas que proporcionaram uma certa abertura econômica para a atração de capitais externos – inclusive uma nova moeda foi criada (CUC), especificamente para uso pelos estrangeiros no país. Tais mudanças, assim como outras descritas no texto, representam uma tendência na sociedade cubana apresentando um ponto de inflexão no modelo socialista cubano.
Acredita-se que uma nova geração de cubanos, que não fez parte do movimento revolucionário da década de 1950, consiga atingir um equilíbrio mais dinâmico entre os laços da herança revolucionária com a necessidade de implementação de medidas mais austeras sobre a estrutura política e econômica do país.
Rafael Pons Reis, mestre em Relações Internacionais, é professor titular de Teoria das Relações Internacionais do Curso de Relações Internacionais do UniCuritiba.
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